último pedido

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[24/12/1940. Paris, França]

Após mais uma noite em claro, James se arrumava para outro dia em meio ao caos. Estava cansado. Desde que chegou na Europa não dormiu direito, mas especialmente essa semana ele passou quatro dias em claro. Para alguns, ficar acordado era bom, significava que estava pronto para qualquer coisa, mas para Harper significava mais tempo para suas paranóias.

— Ei, Harper, é véspera de natal! — Clark entrou sorrindo. — Já comprou meu presente?

— Ah, claro! Comprei uma máscara para ver se isso faz a Olívia finalmente te notar. — James riu, enrolando o cadarço nos dedos e puxando forte.

— Ai! Essa doeu. — O loiro colocou a mão no peito fingindo ser atingido.

— Nem brinque com isso cara, não hoje.

O moreno engoliu seco se concentrando em suas botas, era agoniante não saber se vería seus amigos novamente, cada dia era como uma agulha espetando o coração, uma agonia que nunca acaba. Um silêncio ensurdecedor se instalou no dormitorio que a muito tempo não ficava tão quieto. Suspirando, Clark sentou ao lado do amigo colocando uma mão em suas costas e sorriu tentando aliviar o clima.

— Harper, Carta para você. —  Calvin se encostou na porta jogando a correspondência para ele. — como sempre né?

— Não é atoa que é nosso amoureux.— Clark sorriu de maneira divertida.

— Calem a boca! — James negou com a cabeça guardando a carta no bolso.

— Não vai ler? — perguntou seu amigo que acabara de chegar.

— Com vocês aqui? Não mesmo.

— Porquê você não fala muito dela? Quer dizer, eu vivo falando da Clarice, mas você difícilmente diz alguma coisa. — O homem de cabelo preto se aproximou dos dois.

— Eu não sei, acho que de alguma forma, falar das pessoas que não posso mais ver me deixa aflito. — James engoliu seco, forçando um sorriso em seguida.

— Bom, hoje é véspera de natal. Faz bem falar da família. — o loiro deu de ombros e Calvin concordou em seguida.

— Tudo bem, eu falo. — James riu, e de seu outro bolso retirou uma foto dobrada, entregando a seus amigos em seguida. — Essa é a Trice. Eu poderia ficar horas falando sobre ela, mas nunca sei por onde começar. Ela com certeza é o melhor ser humano que eu já conheci em toda minha vida, ela é tão boa em falar com as pessoas e está sempre tão pronta para ajudar que as vezes me assusta. Passar horas com a Beatrice nunca é um problema, ela adora falar das coisas do mundo e sempre está pronta para aprender coisas novas.

— Uma pergunta importante. — Clark tirou o amigo de seus devaneios.— ela por acaso não tem uma irmã?

— Não mesmo!

— Droga, não custa tentar né? — indagou em seguida cruzando os braços. — pode continuar, me conta como vocês se conheceram.

— Sem muito mistério, estudávamos no mesmo colégio. Embora ela fosse muito na dela era difícil não chamar atenção. Um dia nas férias de verão ela foi com as amigas na lanchonete que eu estava trabalhando e começamos a conversar. Logo depois começamos a nos falar na escola também e uma coisa levou a outra.

A conversa realmente estava fazendo bem a James, falar sobre Beatrice era como acender dentro dele uma vontade que havia perdido a algum tempo. A vontade de continuar seguindo seu sonho para dar orgulho a mulher que tanto o apoia e que sacrificou muito por ele. Sem notar o sorriso bobo no rosto, o garoto olhou para seus amigos que pareciam felizes com a história. Pensando por um instante no que mais poderia dizer sobre sua noiva, Harper foi interrompido por seu superior que apareceu muito irritado na porta.

— Harper, Montgomery, quero vocês em cinco minutos dentro de seus caças. Passo as coordenadas pelo rádio. — com as narinas dilatadas e os pés agitados o capitão prosseguiu.— Aqueles malditos nazistas estão atacando a cidade vizinha.

— Certo senhor. — Indagaram juntos.

Com a velocidade de um foguete, os dois terminaram de se preparar e saíram em disparada para suas aeronaves. James sentia um frio na barriga toda vez que precisava voar, mas o fato de ter seu parceiro Clark ao seu lado diminuía um pouco da ansiedade de ter que arriscar sua vida para parar o ataque inimigo.

— Tente não fazer merda no Natal, não quero ter que salvar essa sua bunda branca. — O loiro riu colocando o capacete.

— E você, não dê uma de super herói no natal, nada de contar quantos aviões consegue derrubar. — Rindo, Harper também colocou o seu.

— Um é menos que mil.

— Um é menos que mil. — repetiu James ligando a aeronave.

Alguns minutos depois e os amigos já estavam na aeronave. Antes de levantar vôo, James fechou os olhos como de costume, pedindo a Deus que guiasse seu caminho e que a vontade dele fosse feita independente do resultado. Também pediu que desse forças a Beatrice, rezando para sua mente estar tranquila e sem aflições.

Não era difícil reconhecer a área sob ataque, a cortina negra de fumaça dançava sobre o céu surgindo logo após outra explosão no solo. Os amigo entraram na zona de combate sendo atacados pela frota inimiga. Não eram muitos, mas se articulavam em grupos muito bem instruídos e aquilo poderia ser extremamente perigoso. Seguindo a estratégia de combate, James e os demais separam-se para dispersar o grupo inimigo. A ideia era cada piloto lidar com duas aeronaves do eixo. Por mais arriscado que o plano fosse, a estratégia já tinha mostrado sua eficiencia em outras batalhas que a vitória foi garantida. Nessa também iria funcionar.

A tensão era quase palpável, suas mãos soavam e a cabeça parecia uma nuvem com diversos possíveis cenários e estratégias. Sua visão estava tão focada em meu objetivo final que tudo a volta do meu alvo é nebuloso. Em uma decisão intuitiva, James realizou uma manobra arriscada que fez uma das aeronaves inimigas se chocar com outra que passava. Ele podia comemorar, mas antes que tivesse tempo, a rajada de tiros vinda do outro avião que o perseguia fez James lembrar que não se pode parar nem por um segundo.

— Preciso de ajuda! Estou sendo cercado. — a voz de Clark fez um arrepio incomum cruzar o corpo de James.

— Já estou a caminho.

Se livrando do segundo caça que estava em sua cola, James cruzou os céus até a localização de seu amigo. A situação era crítica, qualquer um no lugar dele sabia que Clark difícilmente sairia vivo dali, mas ele não podia deixá-lo morrer. Não hoje.

— Faça um mergulho no três, vou lidar com os que não te perseguirem. — Respirando fundo, Harper reuniu toda a sua coragem para dizer aquela palavra. — Três!

Em um mergulho quase perfeito, Clark conseguiu que só três o acompanhassem, porém James agora precisaria enfrentar mais três, que estavam mais próximos que ele gostaria.

A perseguição era acirrada, o homem havia conseguido abater um dos aviões, mas isso o custou um furo na Asa. Girando no ar, ele se preparava para fazer o mesmo mergulho salvou seu amigo minutos atrás, porém já era tarde. Havia fumaça por todo vidro do seu caça, as luzes de emergência piscavam sem parar enquanto sua nave acelerava em direção ao solo. Com toda força que tinha, James tentava estabilizar a nave para pouso, e por mais que tentasse tudo foi em vão.

Só havia um cenário possível, uma última tentativa de ir um pouco mais longe para dar um pouco de esperança para aquela alma desesperada. E então o impacto, a dor, a agonia, a dificuldade de respirar, o famoso filme da vida passando diante de seus olhos que ardiam em lágrimas e o coração que antes batia tão acelerado, agora parecia anestesiado diante da dor e da exaustão de ver todo seu ser lutando pela vida.

Quando a certeza veio, a força se foi tão rápido quanto a promessa que fez a sua amada. Não poderia se casar no verão, não poderia voltar inteiro, não poderia vê-la novamente. Fechando os olhos lentamente, uma lágrima escorreu de seu rosto e apenas um pensamento lhe ocorria.

— Eu vou morrer.

Cartas para vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora