Dois Tipos de Raiva

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            Quanto tempo já havia se passado? Algumas horas? Ou talvez alguns dias. Era como se o mundo tivesse se tornado um borrão distante. Eu podia vê-lo, escutá-lo, senti-lo. Mas nunca realmente entendê-lo. Minhas últimas memórias com algum nível de clareza eram da emboscada do lado de fora da torre. O Executor tinha me atacado, e eu usei o Legado Dourado sem perceber. E então, pressão.

Era como se meu corpo estivesse sendo colocado embaixo de uma rocha. Cada parte dele sendo esmagada por uma força que não sabia de onde vinha. Tentei lutar contra ela, fortalecer meu corpo com Miasma. Mas quanto mais eu produzia, mais sentia como se minha mente estivesse apagando. As imagens começaram a ficar distantes, os sons abafados, mas a pressão finalmente parou. E quando eu não senti mais nada, percebi que estava em um lugar escuro, quieto, isolado.

Eu tinha uma vaga ideia de que meu corpo estava se movendo, relances de um deserto e vozes ocasionalmente me alcançando. Mas sempre que tentava voltar, forçar meus sentidos a acordarem, era como se fosse empurrado de volta. Uma força invisível me cercando e contendo naquele local. Eventualmente, perdi a noção de há quanto tempo havia perdido o controle do meu corpo, pensar se tornava cada vez mais difícil. Tentei alcançar a força me prendendo, mas fui ignorado. Mesmo assim, consegui entender um pouco mais sobre ela.

Mais do que uma entidade separada, era como se eu conseguisse sentir o que ela sentia. Uma raiva, muito maior do que ela conseguia conter. O desejo insaciável por provar sua força, a constante sensação de que todos ao seu redor o achavam fraco. Fraco, fraco demais para se defender. Como uma criança. Um desejo tão forte que quanto mais tentava entendê-lo, mais ele parecia se misturar com minha própria mente.

Mas um dia, a situação mudou. Ela começou a se remexer, agonizando, sendo forçada a escutar o que pareciam ser vozes vindas de fora. Vozes que me soavam familiares, mas não reconhecia. Como memórias distantes de minha infância que não sabia mais dizer se eram reais ou fabricadas. Independente disso, usei essa chance para tentar forçar meu caminho para fora. Eu vi pelos meus olhos novamente, escutei pelos meus ouvidos e, por um breve momento, assumi o controle de meu copo. Mas isso não durou muito tempo.

Em meios às vozes que atacavam a entidade dentro de minha mente, uma se ressaltou, falando diretamente com ela. E essa voz a irritou. E então, senti o que ela sentia. Injustiça. Raiva. Fúria. Medo. Imagens de todas as pessoas que havia conhecido apareciam em meus pensamentos. Cada uma das vezes em que tinham me tratado como alguém incapaz de me defender sendo forçadas do fundo de minhas lembranças e trazidas para frente.

Como Alana havia se recusando a me deixar partir da Escola do Divino. Como Dragão constantemente me treinava, seus olhos a todo o momento julgando minha força como se fosse uma decepção. Como Kendra nunca havia usado toda sua força contra mim, sempre tentando me derrotar enquanto segurava seus golpes. Todos eles. Todos eles sempre me tratavam como um fraco. Alguém abaixo de sua liga, alguém incapaz de se proteger.

Eles estavam errados. Todos eles estavam errados. Eu não era fraco. Eu não era fraco. Eu não era fraco! Todos eles estavam errados! Todos eles iriam ver que estavam errados! Eu não era mais um garoto com os braços e pernas quebrados! Desta vez, eles que iriam quebrar! Desta vez, eu seria a pessoa de pé enquanto eles assistiam o que sobrava de sua vida ser esmagada e destruída! O Divino, os Amaldiçoados, quem quer que se colocasse em meu caminho! Eu iria transformar todos em pó!

Eu senti a força voltando, lutando comigo pela posição controlando meu corpo. Mais brava, mais intensa. Sem que notasse, minha voz estava a acompanhando. Meus próprios pensamentos guiados pelas emoções de quem quer que estivesse em minha cabeça. Eu não consegui controlar meus braços mais, porém ainda conseguia ver o que ela via. Mesmo que apenas uma vaga ideia.

Estrela MortaOnde histórias criam vida. Descubra agora