Kaiser e Valafern

82 5 2
                                    

            Após ser mostrado a saída, vi que estava no meio do deserto. A única construção sendo o pequeno palácio do qual havia acabado de sair. Os donos do local não pareciam dispostos a me dizer qual era a cidade mais próxima, mas tinha a sensação que, se apenas continuasse andando em linha reta, alguém acabaria me encontrando.

E, certo como o pôr do sol, após alguns minutos andando pela areia, vi a figura do Dragão parado. Seu típico olhar cansado focado em mim. Vê-lo me lembrou do pouco que ainda conseguia me recordar de quando tínhamos lutado. Ele parecia bem mais emotivo na minha mente, mas, até aí, eu poderia só estar inventando esses detalhes. De qualquer modo, não parei de andar ao alcançá-lo, sabendo que ele não iria querer perder tempo ali. Para ser sincero, acho que, se eu tentasse parar, ele faria com que eu carregasse uma rocha pelo resto do caminho e chamaria isso de treinamento.

— Os outros estão muito longe? — perguntei, ainda cansado de todos os acontecimentos recentes.

— Não muito — respondeu ele, virando-se para me acompanhar. — Vejo que conseguiu escapar sozinho.

— Eles me deixaram ir depois que pedi.

— Entendo.

E com isso, o silêncio voltou. Normalmente, acharia isso normal, Dragão não era exatamente o tipo de pessoa que jogaria conversa fora. Mas, desta vez, senti que tínhamos alguns pontos que pareciam ser importantes para discutirmos.

— Então você é meu padrinho?

— Seu pai pediu que eu fosse.

Como sempre, uma resposta curta. Aquilo já estava começando a me irritar.

— Acho que você me buscar na Escola do Divino fez parte de suas obrigações familiares?

— Sim. Se as coisas dessem errado, eu teria que assumir sua guarda.

— E por "coisas" você quer dizer a Alana me manter preso lá dentro.

—... Sim.

Senti meus punhos se fechando. Àquela altura do campeonato, eu já sabia que ele tentava manter as emoções sob controle, mas achava que merecia mais do que algumas respostas que coubessem em cartões de visita.

— Luan me disse que você explicaria tudo se eu perguntasse. Então. Estou esperando uma explicação.

— Não tem nada para explicar.

— Mas é claro que tem! Seu filho da mãe letárgico!

Eu parei de andar, minha voz aumentando em um grito antes que eu tivesse a chance de pensar no que estava fazendo.

— Eu passei catorze anos dentro daquela maldita escola! Catorze anos! Eu mal me lembro da minha infância antes de ter meu corpo quase todo quebrado e minha única amiga se prendendo em um cristal! Eu acho que mereço pelo menos alguma explicação de por que eu tinha que ficar preso lá dentro ou me tornar um Amaldiçoado caso isso falhasse!

Eu olhei Dragão nos seus olhos, minhas mãos tão apertadas que sentia minhas unhas quase furando minha pele. Ele não respondeu, apenas me encarando de volta.

— O que foi? Será que você não pode nem sequer falar uma frase com mais de dez palavras sem perder o controle?

— Como eu disse...

O som de meu punho se chocando com o lado do seu rosto veio antes que ele terminasse sua fala. Uma única gota de sangue pingando entre meus dedos agora que havia conseguido me machucar sozinho.

— Eu não me lembro muito bem, mas sei que consegui socar sua cara algumas vezes. Quer experimentar de novo?

Ele não falou nada, apenas olhando para o lado. Sabia que ele tinha me deixado acertá-lo, mas estava bravo demais para me importar. Após alguns segundos, ele finalmente voltou a falar.

— Seus pais sabiam que você não seria capaz de ganhar uma Bênção. Eles pediram para Alana te manter dentro da escola, assim não teria contato com Miasma. Se você conseguisse sair, eu deveria achá-lo e treiná-lo para que não perdesse o controle ou alguma outra idiotice.

Essa era provavelmente a primeira vez que eu tinha o escutando falando por tanto tempo, teria ficado surpreso em outras situações. Mas essa não era uma outra situação.

— Mas eu não saí. Você me buscou.

— Sim. Achei que seria melhor se não esperássemos pelo inevitável. — Ele voltou a me olhar. — Você acabaria gerando Miasma em algum momento ou outro. E, como você mesmo viu, você não é capaz de lidar com tudo isso de uma vez. Se tivéssemos esperado, eventualmente, você acabaria se tornando um monstro controlado pelo próprio Miasma.

Eu não tinha uma resposta. Escutar ele falando me irritava, mas eventos recentes só tinham provado que ele estava correto. Mesmo assim, ele ter razão não me deixava nem um pouco mais calmo. Não tendo mais paciência para a conversa, me virei e voltei a andar.

— Você é um péssimo padrinho.

— Sim.

E estávamos de volta as respostas curtas. Como esperado. Só gostaria que eu não tivesse que socar o rosto dele toda vez que quisesse alguma frase mais elaborada.

— Morgan Kaiser.

O nome me pegou de surpresa, me fazendo para e voltar a olhar para ele.

— O quê? — perguntei.

— Esse é meu nome. Se vai socar seu guardião, então pelo menos se lembre do nome dele.

Ele passou por mim, não parando de andar.

— E, da próxima vez que levantar a mão para mim, vou garantir que não coma nada pelos próximos três dias para treinar sua resistência.

Ver Dragão... Ou melhor, Morgan... Não, eu não iria conseguir me acostumar com o nome... Talvez... Enfim, vê-lo tão irritado com algo foi legitimamente uma surpresa. Eu sempre tinha percebido que ele fazia piadas as minhas custas de tempos em tempos, mas não tinha percebido que ele era capaz de guardar mágoas.

— Você é mesmo um péssimo padrinho.

— Sim. Mas no momento sou eu quem manda. Agora, vamos, as Gêmeas vão acabar vindo atrás de nós se não nos apressarmos.

~

My Light Novel - Seu cantinho da leitura novel!

http://www.mylightnovel.com.br/

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 08, 2022 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Estrela MortaOnde histórias criam vida. Descubra agora