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Louisa’s Pov:

Era uma tarde de verão comum na minha cidade natal. As crianças brincavam da mesma maneira de sempre, as senhoras iam ao parque conversar, o senhor Rodrigues abriu a padaria normalmente e o cheiro de pão quentinho podia ser sentido por todo quarteirão. A Viatura da polícia fazia sua ronda e parava na padaria como todos os dias, para comprar café e biscoitos, o vento soprava fazendo os sinos de vento cantarem na varanda da senhora Ernandez, e as folhas do parque se mexerem como em uma dança ritmada. Tudo estava perfeitamente normal na velha Stotfold, menos na casa dos Clark. Não havia tv ligada, nem risadas ou comentários aleatórios e engraçados, nada além do silêncio.
Mamãe se cansou de chorar e agora só olhava pela janela, convencendo a aí mesma que choveria mais tarde, mesmo o céu estando limpo. Papai bem que tentou fazer ela se sentar, ou dormir, mas ela ficava ali, olhando pela janela, fazendo um comentário ou outro sobre o clima, com pausas para pegar lenços e limpar o rosto. As crianças dormiram no velho quarto meu e de Treena, com exceção de Tom, Claire e Jamie, que estavam se apertando mó sofá, incapazes de encostar na velha poltrona bem posicionada na frente da tv. Will e Martin haviam ido ao centro da cidade, organizar as coisas pro funeral, papai estava sentado na mesa da cozinha, encarando a parede como se contasse todos os azulejos. Treena e eu assamos biscoitos, bolos e fizemos uma torta salgada e agora estávamos sentadas na varanda, olhando as pessoas vivendo normalmente, como se o dia não estivesse mais triste, ou como se não tivessem tido uma parte do seu coração arrancadas delas.

_Eu não sinto inveja – Disse eu olhando a filha da Marta brincando de pular rachaduras.

_Inveja? – Perguntou Treen sem entender.

_Não sinto inveja das pessoas vivendo suas vidas como se fosse apenas um dia comum – olho para ela – Não sinto, pois se não estivesse doendo, se meus olhos não estivessem doloridos de tanto chorar e meu coração não estivesse pesado, significaria que eu não seria neta do vovô.

Ela abriu um sorriso triste e concordou com a cabeça. Treena sempre tentava ser a mais forte da família na maior parte do tempo. Ela bem que tentou esconder o choro de mim, mas seus olhos não estavam diferentes dos meus. Os cabelos, agora cortados em um impecável corte Chanel curto, estavam bem penteados e presos em um rabo de cavalo. As unhas estavam um pouco ruidas, como ela fazia quando estava nervosa. Ela usava uma blusa de manga longa branca e uma calça jeans preta. Ela me lançou um olhar que eu soube decifrar em questão de segundos, dor. Seu coração doía como o meu mas eu sabia que ela concordava comigo.

_Ele foi maravilhoso, não foi? – ela disse sorrindo – Lembra quando éramos crianças, e ele chegava da caminhava com pães quentinhos da padaria? – ela riu – Pareciam que anjos os haviam assados pra nós.

Eu ri com a lembrança. Eram sempre macios e quentinhos, todos os dias antes da escola, como um bom dia especial do vovô.

_Lembra no seu aniversário de sete anos que ele se vestiu de palhaço e você ficou com medo – eu ri, mas ela fechou a cara.

_Eu sempre tive medo de palhaços, e ele sabia disso.

_Acho que ele só queria te incentivar a perder o medo.

Ficamos em silêncio por um tempo, o vento soprando mais forte, arrancando alguns fios do meu coque alto. Pude ver o carro de Martin virando a esquina, parece que estava tudo pronto afinal.

_Não vai ser fácil – ela disse por fim, olhando o mesmo ponto que eu.

_Mas vamos passar por isso juntos.



Vovô tinha uma expressão alegre no rosto, como se sonhasse com bolinhos. O médico disse que ele morreu de causas naturais, sem dor ou sofrimento o coração dele apenas parou. Papai disse que não ouviram nenhum som estranho ou inesperado, apenas uma gargalhada vindo do quarto dele a noite, mas sempre acontecia quando ele tinha um sonho bom. Mamãe ficou sentada durante o funeral, mas foi só chegar em casa que isso mudou. Os amigos de vovô fizeram discursos, tio Hank, irmão de vovó, disse que agora os dois estavam juntos e felizes como nunca, talvez por isso a expressão alegre em seu semblante. Ele vestia seu terno de igreja preferido, era azul escuro e tinha pequena linhas pretas desenhadas. Uma camisa branca de linho e uma gravata nude compunham o traje, elegante e sereno, como ele sempre foi.
Após o enterro, algumas pessoas foram para a nossa casa. Camila havia ficado com as crianças menores, apenas Tom, Jamie e Claire estavam conosco. Todos concordamos que um funeral não era adequado para crianças pequenas. Vi Tom sentado nas escadas que davam acesso para o quintal. Com 13 anos, ele estava se tornando um menino grande e forte, cada dia mais parecido com a mãe. Ele vestia um terno preto e segurava um lenço de veludo branco, presente do vovô para ele quando fez 10 anos, havia sido um presente de vovó anos atrás. Tom olhava para o céu com um semblante perdido, mas eu podia ver as lágrimas rolando de seus olhos. Devagar, me aproximei dele, me sentando ao seu lado.

_O que você está olhando? – perguntei.
Ele ficou calado por um momento, mas depois olhou para mim.

_Uma vez ele me disse que quando alguém morre, ganha uma estrela – seus olhos voltaram para o céu. Estávamos quase na hora do por do sol, fora os tons rosados no horizonte, não havia nenhum sinal de estrelas ainda.

_Ainda está cedo – eu disse.

_Ele falou que as pessoas que nos amam vêem a estrela brilhar mais forte que as outras – sua voz saiu trêmula, como se ele confesse a vontade de chorar.

Passei meus braços por seus ombros e o puxei para um abraço, nós dois ainda olhando o céu acima de nós. Eu usava uma blusa de decote V preta e uma saia rodada de cetim pretas, meus seios doíam indicando que precisava tirar leite o mais rápido possível, mas era meio difícil com tanta gente em casa.
Depois de um tempo calados, Tom levantou a mão apontando para um pequeno ponto no céu. Demorou um tempo mas consegui seguir sua indicação.

_La está ele – ele disse sorrindo – Ele é a mais brilhante, não acha?

_É sim – deixando uma lágrima solitário escorrer pela minha bochecha fiquei ali observando o pequeno ponto luminoso a quilômetros de distância de mim. Brilhe, minha pequena estrela.

Vejo Jamie vindo na nossa direção, ele se senta no meu colo e pergunta o que estamos olhando, depois de contar a ele ficamos algum tempo lá, olhando a pequena estrela brilhando no céu. Deixei os dois conversando no jardim e entrei na cozinha, bebendo um copo de água bem gelado, pois sentia que meu corpo ia derreter dentro do meu vestido.

_Você está bem Clark?  - Will diz entrando na cozinha com um olhar preocupado. Dou um sorriso fraco tentando deixá-lo tranquilo.

_Estou sim só – suspiro – Com calor. Sinto como se estivesse dentro de um forno.

Ele chega perto e segura a minha mão, apertando com força, como sempre fazia quando queria me consolar, ou só mostrar que ele estava ali comigo. Senti meu corpo relaxar.

_Tem muita gente aqui dentro, está mesmo quente – ele fala.

Olho pela porta da sala e vejo que realmente ainda tem muitas pessoas se amontoando na pequena sala da minha casa. Mamãe estava recostada na janela, conversando com a senhora Ousen, papai no sofá conversando o padeiro e Martin e Treena conversavam enquanto Claire comia um bolinho. O clima apesar de um pouco mais leve, ainda pesava sobre nós como uma bota esmagando um inseto. Eu só torcia para que mamãe ficasse bem depois que todos fossem embora.

_Estou preocupada com ela – eu digo olhando para mamãe. Ela sorria conversando com a senhora Ousen, mas seus olhos estavam profundos e com grandes olheiras embaixo delas.

_Josie é mais forte do que parece Lou – Will disse ainda segurando minha mão – Ela é como você.

Olho pra ele sem entender.

_Você viajou pra longe pra convencer um cara cabeça dura a fazer algo que não concordava, abominava até. Criou quartel filhos, incluse uma que não é sua de sangue, e ainda cuida de mim. Meu amor você é indestrutível e sua mãe também. – seu olhar sai de mim para mamãe do outro lado da sala – Ela vai sofrer agora, e é completamente normal. Ser forte não é deixar de sofrer, mas sim conseguir enxergar além disso. Vai doer mas vai passar, uma hora ou outra, vai passar.

Will estava certo, afinal. Mamãe era mais forte do que aparentava, porém teimosa também. Meu medo é que ela não se deixasse sentir e que isso a consumisse. Jamie e Tom abrem a porta da cozinha, me tirando dos meus pensamentos.

_Ele disse que quer um bolinho – Disse Tom.

_Mamãe eu posso comer um?

_Claro que pode, tentem fazer a sua avó comer um pouco também ok? Nem que seja só uma xícara de chá.

Os meninos até que tiveram sucesso. Depois de muita insistência dos netos, mamãe comeu um bolinho e tomou uma xícara de chá. Apenas se não der uma refeição completa, era algo para alguém que não comeu nada o dia todo. Depois que todos foram embora, pedimos uma pizza para o jantar e consegui que ela comesse meia fatia. Arrumamos um colchão na sala para as crianças, Will e eu nós apertamos no meu antigo quarto e Martin e Treen colocaram um colchão na sala de jantar. O quarto do vovô estava livre é claro, mas ninguém se atreveu a dormir lá, como se retirar algo do lugar fosse um crime. Todos já havia dormido, mas eu sentia como se a cama tivesse espinhos. Meus seios estavam cheios, então me levantei e comecei a bombear para me aliviar, depois de dois frascos cheios, finalmente me senti mais leve e meus seios pararam de doer. Will ainda estava dormindo, assim como eu, ele estava muito cansado do dia, e meu corpo já pedia um descanso. Depois de terminar de me aliviar, fechei os frascos e desci para guarda-los na geladeira, usei uma fita para identificar, evitando que alguém bebesse por acidente, meu estômago revirou só de imaginar. Ouço um barulho atrás de mim e antes de mim e antes de entrar em Pânico, me viro e vejo que é simplesmente mamãe, respiro aliviada.

_Você me assustou mãe! – eu digo baixinho para não acordar às crianças.

_Me desculpa – ela responde – Eu vim pegar um copo de água.

_Tudo bem – Eu dou um sorriso para tranquiliza-la – Eu vim guardar o leite.

_Eu ouvi você bombeando.

Guardo o leite na geladeira e pego a jarra de água para nós duas. Nós sentamos no balcão, tomando cuidado para não acordar Martin e Trena.

_Eu me lembro quando você era um bebê, com a idade da Morgan. Você chorava de cólica tão alto que o quarteirão inteiro não conseguia dormir –  ela riu – Seu avô foi até o seu quarto, tirou a camisa e deitou você no peito dele de bruços. Foi estranho mas funcionou, você finalmente dormiu e ele dormiu junto.

Suas mãos mexiam no copo de água com batidas leves. Seus olhos olhavam além de mim, como se visse a cena na sua frente.

_Mamãe me disse que ele fazia isso comigo quando eu era bebê, então deixamos você dormirem na poltrona.

_Porque ele não me colocou no berço depois de dormir?

Ela balançou a cabeça rindo, seus olhos finalmente encontrando os meus.

_Ele não quis. Disse que se te confortava, ele preferia ficar ali.

Uma lágrima solitária desceu de seus olhos e ela limpou rapidamente, tomando um gole de água que pareceu descer de forma errada em sua garganta. Peguei em sua mão e apertei com força, ela retribuiu com um sorriso.

_Quando ele ficou doente não hesitei em trazê-lo pra casa. Eu sabia que ele iria embora um dia, mas..

_Nunca estamos prontos pra isso – eu completei a frase que ela não conseguiu, e ela acenou – Toda vez que trago Will pra casa depois de uma crise de pneumonia eu não sei se vai ser a última vez. Mas o que importa, é o tempo que temos com ele, com nossa família. Eu sei que está doendo mamãe, mas você fez tudo que pode por ele, tudo e mais um pouco. Ele foi um ótimo pai e você foi uma boa filha, ele teve uma ótima vida.
Seus olhos finalmente cedem e ela começa a chorar. Desço do banco e corro para abraça-la. Suas lágrimas molharam a minha blusa, mas eu mesma me peguei chorando. Era tão raro ver a mamãe assim, frágil e chorosa. Ela sempre era tão forte, dura como uma rocha, eu poderia contar nos dedos as vezes que a vi chorar.

_Eu não sei o que fazer sem ele Lou – ela disse entre soluços – Cuidar dele era minha vida, e agora o que eu vou fazer?

_Você vai viver, mamãe. Eu sei quantas coisas deixou de fazer por conta dele, tenho certeza que ele iria querer que você curtisse sua vida. Você se dedicou a mim, a Treen e ao vovô a vida toda. Você foi mãe e filha por tanto tempo, aproveite agora pra ser esposa, pra ser Josie.

Abraço a com mais força e depois ela se afasta, limpando o rosto com as costas das mãos.

_Isso não significa que você vai deixá-lo pra trás mãe – eu respondo sua pergunta antes mesmo dela fazer – Só que ele fez um bom trabalho e você pode ter sua vida.

Depois de mais alguns abraços, mamãe e eu voltamos para nossos quartos. Ela me deu um grande sorriso antes de entrar, espero que agora ela finalmente consiga dormir. Deito devagar para não acordar Will, mas ele acabou abrindo os olhos quando me aconcheguei nele.

_Você tá bem Clark? – Ele disse com a voz rouca de sono.

_Estou, apenas fui pegar um copo de água, vamos dormir. – me aconcheguei direito nele e respirei fundo, sentindo o perfume do seu peito me acalmar – Eu te amo Will.

_Também amo você Clark.



Vivendo com você, Livro doisOnde histórias criam vida. Descubra agora