Tu ne me perdras pas.

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Os dias na casa de Thomas eram entediantes, ele não me olhava e muito menos falava comigo. Ainda tentava entender o motivo disso, mas algo me dizia que no fundo era o fato de ter descoberto que na sua primeira ruína Lizzie foi embora.

Eu e ele nos tornamos estranhos novamente, ficamos muito tempo longe e eu não sabia o que fazer para conquistar sua confiança de novo. Pensando nisso, resolvi que ir em uma corrida de cavalos igual ele fazia antigamente poderia ser uma boa ideia de ter a confiança dele novamente.

— Você tem um tempo livre hoje? — indaguei chegando na porta de seu escritório.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Tenho mais tempos livres do que gostaria de ter, Gale. — bufou e deixou o cigarro que fumava no cinzeiro de vidro à sua direita na mesa.

A recuperação ainda não estava cem por cento e por isso ele não podia sair de casa, se saísse e algo lhe acontecesse seria certo a sua morte.

— Ótimo! — sorri contente, não deixaria suas ironias me atingirem. — Esteja pronto às cinco e meia e vista um terno bonito.

Antes que ele pudesse protestar contra, fechei a porta e respirei fundo no corredor torcendo para que ele não faltasse ao compromisso. Thomas era um homem imprevisível, ninguém sabia qual peça do tabuleiro ele mexeria. Conseguia imaginar perfeitamente a expressão de indignação que ele deveria ter feito quando saí do escritório, mas sabia também que logo em seguida ele daria de ombros e voltaria a fumar o seu cigarro.

[...]

Tic-Tac. Tic-Tac. Tic-Tac. O relógio da sala de estar batia ritmadamente. 17:30. 17:40. Já fazia dez minutos do que eu havia combinado e o medo dele não surgir na escada me consumia cada vez mais, já que eu não gostava de ser feita de boba. Tudo que eu estava fazendo era para alegrá-lo, mas ficaria difícil se ele não colaborasse.

Então o relógio bateu mais uma vez.

— Esse terno está bom seja lá para onde vamos? — ouvi sua voz indagar e levantei meu olhar, vendo-o no topo da escada segurando o corrimão. Não parecia estar nada contente.

— Você está ótimo! Agora vamos logo ou iremos nos atrasar. E deixe-me que eu dirija.

Seguimos até o carro em silêncio.

— Eu vou dirigir. — disse ele.

Sorri ladino vendo que ele estava melhorando de expressão e corri dando a volta no carro e entrando do lado do carona.

Dei as coordenadas de onde aconteceria a corrida e só chegando no local ele percebeu do que se tratava.

— Me trouxe em uma corrida de cavalos? — indagou ao sairmos do carro e pude perceber um sorriso ladino em seus lábios. — Agora você está falando a minha língua.

Thomas esticou o seu braço e eu entrelacei o meu no dele, juntando nossos corpos e juntos andamos em direção à entrada. O local estava lotado e isso me lembrava um pouco o caso de Billy Kimber, mas precisava esquecer esse e todos os outros acontecimentos passados.

Nos encostamos na grade branca onde conseguimos ver perfeitamente os cavalos que correriam.

— Eu aposto no branco e você? — perguntei puxando assunto.

Ele riu.

— Você não entende nada disso. É claro que o marrom vai ganhar.

— Como tem tanta certeza?

— Porque ele já foi o meu cavalo e eu nunca tive um cavalo ruim.

Sorri e voltei a minha atenção para a corrida que estava prestes a começar.

Thomas estava certo em relação ao cavalo, o marrom disparou na frente no primeiro segundo e nenhum outro chegou sequer perto dele.

— Pensando bem, vamos dar um oi para esse cavalo.

Fomos até o estábulo onde os animais descansavam após a corrida, um homem de cabelos grisalhos cuidava do cavalo marrom.

— Tommy! Achei que tinha morrido. — o homem disse.

— E vaso ruim quebra por acaso? — eu ri ao dizer, mas os dois me olharam com olhares de reprovação. — Desculpa, quis amenizar o clima.

— Como vai o nosso garoto? — perguntou Thomas acariciando o cavalo. — Quero comprá-lo novamente.

— Ele já está velho, Tom.

— Mas ainda faz um bom trabalho nas pistas.

— Não sei não.

— Acho que vou esperar no carro. — falei fazendo eles me olharem, ambos assentiram e saí do estábulo.

Fechei meu casaco ao sentir o frio do lado de fora e andei em direção ao carro. Observei um lago mais distante e resolvi caminhar até lá para ver um pouco da água.

Sentei-me sobre a grama e fechei meus olhos respirando o ar fresco puro, nunca que em Birmingham de onde vim teria esse cheiro bom de mato. Tudo era tão fedido.

Pensar em como minha vida havia mudado era estranho e me fazia perder a noção do tempo, tanto que tudo escureceu e um sereno começava a cair do céu quando senti uma mão segurar o meu braço e me levantar a força.

— Mas que merda! — exclamei virando-me para o até então desconhecido. — Ah, é você.

— Ficou maluca? — Thomas gritou e eu sabia que ele estava com muita raiva, eu só não sabia o motivo ainda.

— O que aconteceu?

— Um tiroteio aconteceu lá e adivinha como fiquei quando não encontrei você no carro?

— Eu não sabia que isso aconteceu, eu estava distraída aqui.

Ele certamente tinha um grande trauma envolvendo tiroteios e mulheres.

— Eu já disse, eu não posso te perder, Gale. — amenizou o tom de voz e encostou sua testa na minha.

Levei minhas mãos até seu rosto e percebi como ele suava, certamente de ter corrido.

— Você não vai me perder, Thomas.

Ele assentiu e selou meus lábios.

Coração Negro | Thomas ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora