( 17. pais )
▍PAUL LAHOTE ▍
Incômodo.
Era tudo o que eu conseguia sentir. Como um animal fora do seu habitat, parecia que era errado eu estar ali, na sala imensa da casa de Sarah, com meus tênis surrados e a melhor roupa que pude encontrar no guarda-roupa. O que não era muita coisa, já que tudo era um trapo velho e no fim eu estava de jeans e uma camiseta de banda, que um dia já fora preta mas que hoje era de um tom desbotado mais próximo do cinza do que da cor original dela.
E para piorar meu desconforto seu pai decidiu que não vai tirar os olhos de cima de mim. Esse velho do caralho já encheu o meu saco.
Suspiro pesado, vendo Sarah e a mãe manterem uma conversa enquanto seu pai me encara como se eu fosse a droga de um criminoso. Abro e fecho minhas mãos, evitando seu olhar, vendo a sala ricamente decorada da mansão Winston. O quadro na parede me chamou de pobre em umas cinco línguas diferentes, e o lustre logo acima de mim se encarregou de me esculachar em todas as outras línguas que sobraram.
Pobre. Pobre. Pobre. Fodido financeiramente, não tenho onde cair morto. Que inferno. Sinto o suor começar a me irritar nas palmas das minhas mãos e limpo elas no jeans. Eu conto os trocados no fim do mês pra fazer uma compra que preste, e só essa cadeira que estou sentado era mais cara do que tudo o que ganho em um ano.
Sinto um toque morno na minha pele e levanto o olhar na direção de Sarah, sentindo seus dedos finos e pálidos tocarem minha mão e vendo suas sobrancelhas se curvarem, os olhos azuis me olhando intensamente.
Mas, antes que ela pudesse falar qualquer coisa, o pai pentelho se curvou para frente chamando minha atenção.
— Então, Paul, você trabalha?
Por que? Quer saber quantos zeros tenho na minha conta, caralho? Seguro a vontade de bufar, sabendo que na minha conta tinham três zeros, um antes da vírgula e dois depois dela.
— Sim, senhor. Eu sou mecânico na reserva.
"Venha jantar em casa amanhã, Paul. Vai ser legal". Pra puta que pariu que vai ser legal. Mas, confesso para mim mesmo, eu não conseguiria dizer não para Sarah de qualquer forma. Nem se o que ela estivesse me pedindo fosse sei lá, me jogar de um prédio ou qualquer merda do tipo.
— Você tem negócio próprio ou trabalha com alguém? — Ele continua seu interrogatório.
Sarah olha para o pai, a boca rosada em um bico nervoso enquanto ela gesticula rapidamente sinais que eu não consigo entender. O pai responde, numa postura defensiva, e me sinto de fora da conversa.
— Sarah está pedindo para Joshua deixar você em paz. — Clarice diz, suavemente, sorrindo para o marido e filha que pareciam ter engatado em algo tipo uma discussão. — E Joshua está dizendo que ele quer apenas te conhecer. Não ligue muito para ele, Paul. É a primeira vez que Sarah apresenta alguém para a família. Estamos contentes em te conhecer.
Abro a boca, igual um peixe morto, tentando juntar algo para falar.
— Ela nunca...
— Sarah nunca foi dada a namorados, e depois do acidente ficou tudo ainda mais... delicado. Você entende, certo? Ela te contou do acidente?
Assinto, olhando rapidamente na direção de Sarah. Ela ainda estava totalmente imersa na discussão boba com o pai, sem noção alguma que eu e sua mãe estamos falando dela.
— Ela contou. Meio por cima, sem dar detalhes.
Clarice faz uma expressão triste, passando a mão na calça de cor clara e pegando um fio invisível que poderia estar ali.
— Sarah tinha quinze anos. Foi uma surpresa, sabe? Tirou o nosso chão por meses. O primeiro ano foi o mais difícil, mas ela é uma garota forte. Mais forte do que eu ou Joshua poderíamos ser algum dia.
Eu novamente assinto, sabendo que sim. Ela era forte demais, e isso era o que eu mais me atraía nela. Depois dos olhos azuis, da voz compreensiva, da personalidade calma e divertida e de tudo o que eu amava nela. Sarah era a pessoa mais maravilhosa que já conheci, e só de saber que ela me quer ao seu lado, me fazia sentir o homem mais sortudo do mundo.
— Sarah é... — Começo a falar, a voz falha enquanto olho para seus cabelos loiros, quase brancos, brilhando com a luz do lustre. — Sarah é inefável.
A risada baixa de Clarice me faz subir o olhar para ela. Sarah era muito parecida com ela, o que fazia a mulher ser encantadora. Mas o melhor nela era essa aura maternal, que eu ainda estava aprendendo a lidar.
— Inefável é realmente a melhor palavra para descrever Sarah. — Sua mão elegante e pálida dá duas batidinhas de leve na minha perna, como num gesto compreensível. — Eu vejo o quanto você gosta dela, e sei que minha filha está segura com você. — Ela suspira, sorrindo na minha direção. — Você é um ótimo garoto, Paul.
Sinto minhas bochechas quentes e, antes que eu possa segurar a reação, sei que estou corando feito um maldito adolescente que não consegue receber um elogio. Mas o que eu podia fazer? Depois de tanto tempo ouvindo que eu era um merda, ter alguém me dizendo que eu era uma ótima pessoa era... No mínimo, desconcertante.
— Vem comigo? — A voz de Sarah finalmente se faz presente no local, depois de terminar sua briga com seu pai e voltar seus olhos claros para mim.
— Ir com você? — Arregalo os olhos, olhando para Joshua Winston e seu olhar de pai que vai me matar. — Onde?
Delicadamente, Sarah revira os olhos, juntando minha mão na sua enquanto se levanta e me puxa para a acompanhar. Olho para sua mãe, que apenas sorri e finalmente me levanto, deixando Sarah me guiar pelos corredores da casa. Ela solta minha mão quando chegamos em frente a duas portas brancas e as abre, me deixando de boca aberta.
A porra da sala era maior que minha casa inteira, e estava cheia de instrumentos de música. Alguns eu sabia os nomes, mas outros era a primeira vez que os via. No fundo da sala um piano grande ocupava um bom espaço e foi para lá que Sarah se direcionou, subindo a proteção das teclas e se sentando no banco em frente.
Seus movimentos eram calmos e precisos, como se aquilo fosse tão corriqueiro que seu corpo não precisasse mais de comandos para fazer tal tarefa, era apenas... instinto. Como me transformar. Instinto puro, memória física.
Seus dedos finos e pálidos tocaram nas teclas, testando o som e franzi as sobrancelhas. Se ela é surda, como conseguiria tocar, sendo que não consegue ouvir as notas?
Mas ela me surpreendeu quando as primeiras notas de uma música calma e relaxante começaram, e me vi imerso naquele som que parecia vindo direto do paraíso.
Na imagem dela, tão concentrada e linda, como uma deusa criando a música mais pura do mundo. Como se fosse um pedaço do céu na Terra, uma dádiva boa demais para mim ou para qualquer outro.
Nunca fui muito religioso, mas naquele momento eu fechei os olhos e agradeci. Deus, meus ancestrais ou qualquer que fosse a entidade que estava tendo pena de mim e tinha me enviado Sarah Winston e tinha permitido que eu fosse dela, apenas dela.
Para o resto da minha vida.
[ n o t a s ]
eu ouvi alguém falar em milagre???
quero ouvir um "aaaa!"finalmente atualizei, primeiro capítulo do ano sksksks espero que tenham gostado
amo vocês e até o próximo
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𝐄𝐔𝐓𝐎𝐍𝐘, 𝑡𝑤𝑖𝑙𝑖𝑔𝘩𝑡
Fanfiction༉‧₊˚✧ 𝐏𝐄𝐑𝐃𝐄𝐑 𝐀 𝐀𝐔𝐃𝐈𝐂̧𝐀̃𝐎 foi o pior baque na vida de Sarah Winston. Logo ela, apaixonada por música desde tenra infância, perdera o dom de ouvir após um acidente de carro. Fora uma fatalidade. Compadecidos pela dor da jovem musicist...