Capítulo XIX

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Era uma bela manhã de primavera,  podia-se sentir o cheiro das flores desabrochando no jardim; Cora conduzia minha cadeira com a intenção de que eu pegasse um sol, na verdade era um pretexto para que eu saísse do quarto,  eu sabia,  mas já não me importava mais.

- A mãe do Travis parecia menos abatida.  - disse ela com aquela expressão de pena que usava comigo. - Você deveria seguir o exemplo dela.

- Cada um lida com a dor da sua maneira.  - eu disse quase sussurrando e ela fez um bico de indiferença virando o rosto. Era sempre assim que ela reagia quando eu ficava na defensiva,  mas ultimamente estava pior,  era como se ela não suportasse mais me ver sofrer pelo Travis.  Depois de um tempo,  Cora deu um salto rápido da cadeira,  olhando em seu relógio.

- Oh, meu Deus! Quase ia esquecendo o remédio! - exclamou ela espantada, deixando evidente algumas rugas.

- Que remédio?  - a indaguei confusa.

- Austin não está bem.

- Como assim?  O que houve?  - perguntei segurando em seu braço pra que ela não fosse embora antes de me contar.

- Ele está com febre,  desde madrugada.  Volto já!  - afirmou ela correndo.

Senti uma onda de nervosismo passear pelo meu corpo.  Eu deveria saber que havia acontecido alguma coisa,  pois não o havia visto hoje. Por quê Cora não me disse logo? Fui ver o Austin o mais rápido que consegui,  a porta do quarto dele estava encostada,  saindo apenas um feixe de luz, empurrei a porta e ela rangiu um pouco. 

O quarto do Austin era igual ao de todos os hóspedes, apesar de ter o "toque" dele. Haviam papéis com desenhos espalhados em tudo que é lugar, gibis, brinquedos, uma foto dele, da mãe e do Nate em cima da cômoda,  um livro enorme de astronomia em uma escrivaninha ao lado da cama...

A iluminação estava fraca,  apesar de ser uma bela manhã as cortina estavam fechadas, havia apenas a iluminação do abajur no criado mudo.  Ao entrar vi Austin adormecido e Nate sentado no chão ao lado da cama cochilando,  me aproximei mais um pouco e percebi que Nate segurava a mão de Austin enquanto dormia.  A expressão de Austin era calma,  ele dormia brandamente, parecendo até um anjinho,  "parecendo". 

- Melinda?  - disse Nate com a voz rouca ainda sonolento,  sua expressão era de uma criança que havia acabado de acordar.

- Como ele está?  - sussurrei, ele soltou a mão de Austin,  levantou-se, se espreguiçou e sentou na beira da cama, na minha frente.

- Teve febre a madrugada inteira.  - disse ele passando as mãos nos olhos.  - Mas a culpa foi minha, não fiquei de olho nele e ele acabou que aproveitando pra brincar com água, acho que ficou resfriado.

- Não foi culpa sua. Ele é uma criança,  criança faz isso o tempo todo.

- Mesmo assim,  eu não deveria ter...

- Nate, cala a boca!  Não foi sua culpa e pronto.  - afirmei o cortando e ele sorriu, tumultuando algo dentro de mim. Mas que droga de sorriso é esse?   - Você ficou aqui a noite toda? - perguntei desviando o olhar dele.

- Fiquei, ele disse que estava com medo de morrer.  Dramático.  - disse  ele sorrindo,  virando para dar uma olhada no irmão,  depois girou pra mim novamente e continuou: - Então fiquei segurando a mão dele até ele dormir,  mas acabei dormindo.

- Você até que é um bom irmão.  - eu disse e ele riu,  tentando em vão ajeitar o cabelo, que não estava tão bagunçado.

- Digamos que quando as coisas não vão bem cuidamos um do outro. Bom... o fato é que ele é tudo que eu tenho.  - ele disse com ternura.

- Eu não tenho nada. - eu disse cabisbaixa, ele se levantou e ajoelhou-se na minha frente,  segurando minhas mãos.

- Isso não é verdade, Melinda.  Você tem seu pai, e agora Lívia,  a Cora que te ama mais do que você possa imaginar,  o Austin que se apegou tão rápido e tão fácil a você, e você tem à mim. - ele disse,  sua boca com um leve sorriso, ele estava novamente ferindo a minha zona de conforto.  Seus olhos obstinados em devorar os meus começaram a fitar meus lábios,  sua respiração estava pesada,  sua expressão era de dúvida, se ele deveria mesmo fazer o que ele queria, do nada  ele deu um suspiro e se aproximou mais decido no que fazer,  mas eu dei uma guinada com a cadeira.

- Acho que a Cora já deve estar trazendo o remédio do Austin.  Ele vai ficar bem, não se preocupe.  - eu disse tentando parecer impávida, ele mordeu o lábio inferior e consentiu, balançando a cabeça.

Saí daquele quarto tentando manter a compostura firme.
- Isso não pode e não vai acontecer.  - afirmei tentando me convencer,  mas eu sabia que não adiantaria. Meu coração estava quase explodindo,  eu estava com medo do que estava acontecendo comigo, com nós.  O que ele achou que iria fazer?  Só pode ter perdido o resto dos neurônios.

- Mels? - perguntou Cora me observando com uma cara de preocupação.

- Oi. - foi o que eu consegui dizer, achei que minha voz não iria sair.

- Você está bem?  O Austin piorou?

- Não.  - eu disse balançando a cabeça.

- Então por que essa cara?

- É minha cara, Cora.  Vai dar o remédio pro Austin, eu vou pro quarto.  - eu disse a deixando lá parada me observando como se quisesse decifrar o que teria acontecido comigo. 
Era evidente que não iria contar isso pra ela, não por que não confiasse nela, mas porque eu sabia que se ela soubesse iria amar isso tudo, afinal ela adora o Nate,  e quer que eu esqueça o Travis à qualquer custo. 
Cheguei no meu quarto não sei como, porque meus pensamentos estavam fervilhando,  eu ainda estava nervosa,  eu sabia que se eu fechasse os olhos iria vir ele na minha cabeça,  eu estava desesperada.

- E agora, meu Deus?

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