A Última Vampira (2ª edição) - Livro Um

CAP. 24 - PORTAL DAS FADAS

(música: Got It In You - BANNERS)

EMILY

O cheiro da comida sendo cozida me acorda rapidamente e sinto uma dor no meu estômago, percebo que dormi por um tempo considerável quando vejo o céu começando a clarear, o sol vai já nascer. Luana não está mais encostada em mim e meu corpo está deitado no chão, ainda frio. Melanie está perto da fogueira, abrindo alguns pacotes de sopa pronta. Seus cabelos parecem um pouco mais claros com a luz do sol se aproximando.

Ao ver seus olhos âmbar, tento lembrar da continuação da conversa na noite anterior e minha memória não se estende muito. Levanto, ainda me situando no ambiente, ouvindo poucos sons, e caminho até Luana, que está um pouco distante, pensativa. Seus olhos se direcionam para o nada, a floresta. Quase não nota minha aproximação, há preocupação e tristeza em seus olhos. Quando chego mais perto, ela se desperta e sorri para mim. Melanie vem logo atrás.

— Vocês precisam comer — fala, entregando uma poção para mim e uma para Luana. — Obrigada por ter ficado de guarda e por não ter ido embora, Luana — sorri um pouco para a celestial, que continua séria. Há algo errado em sua mente — Precisei ir pegar comida bem longe, como ninguém me conhece não correria o risco de me pegarem. Por sorte, encontrei um casal de idosos há cerca de uma hora daqui. Eles vendem comida perto de uma estrada...

— Preciso andar um pouco — Luana se levanta e me olha, assinto e ela começa a se afastar. — Preciso pensar em umas coisas...

— Pode ir, vai ficar tudo bem. Vou estar aqui quando voltar — tento brincar um pouco e ela me lança um leve sorriso, ainda triste.

— Você estava muito cansada — Melanie fala, ao ver a celestial se afastar. Começo a comer e o sabor me faz salivar de vontade, que fome. — Por isso dormiu, digo. Não se preocupe, tudo correu bem. Fiquei de guarda durante a noite e Luana acordou se sentindo bem melhor. Ela disse que precisaria andar um pouco, mas não confiou em te deixar sozinha — penso em Luana e em seu estado de saúde. Seu humor, sua expressão, até mesmo sua postura corporal, totalmente diferente de como estava há dois dias. De algum modo, como uma descarga de energia, sinto o meu corpo começar a doer. Lentamente, dores musculares começam a aparecer e respiro fundo.

— Estou começando a cansar dessas aventuras — digo. Melanie se senta perto de mim e me observa comer. Seus olhos se perdem um pouco em algum ponto distante.

— Tenho flashes do meu passado. Sempre tem uma menina, uma jovem... A mesma pessoa em tempos diferentes. Ela parece muito com a Isabelle — divaga. As informações chamam minha atenção, mas me mantenho em silêncio. — Não lembro exatamente como me conectei com as fadas, não sei se houve algum evento específico ou se só acordei em um dia e já estava assim... — continua com o olhar distante. — Só lembro de sentir raiva de Isabelle. As fadas tinham fotos dela e de algum modo... Vê-la, despertava um descontrole em mim. Levei anos para controlar e depois de duas década desisti de tentar entender.

A forma como Melanie desabafa demonstra uma ausência de estruturas defensivas. É uma surpresa ver que ela está confiando em mim, mesmo que, com a chegada de Luana, ela negue tudo o que está me dizendo. Recordo agora do que Luana disse quando acordei naquele quarto, há lacunas na memória de Melanie e por suas falas... Há tantas pontas soltas e caminhos desencontrados que qualquer um se perderia tentando entendê-la. De maneira mais presente, agora também penso na real possibilidade de haver um feitiço em sua mente.

— Não sei qual será minha próxima missão, mas sinto que de algum modo vou esquecer disso aqui, ou ao menos algumas partes. Tem falhas e espaços em branco nos meus pensamentos.

— Como exatamente sente isso?

— Já vivi muitas coisas, Emily. Bem mais do que pode parecer, mas não me recordo. Sei que é comum esquecer, principalmente quando já se viveu mais de um século, mas sempre sinto algo barrando meus pensamentos.