CAP. 9 - ILUSÃO

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EMILY

Uma vez ouvi minha mãe dizer que a guerra não era o melhor lugar para mim. Ela disse isso depois de me ver chorar pela morte de um cachorro, que me fazia companhia desde que nasci. A imagem da guerra, ou mesmo do simples ato de matar, nunca saiu da minha cabeça. Ver como a minha espécie e as outras possuíam uma habilidade de colocar fim a um universo inteiro, a incontáveis vidas... Isso me desorientou por um tempo. É um poder muito grande em mãos tão irresponsáveis.

O interior da loja de conveniência poderia facilmente ser visto como o retrato de um massacre. Estou, literalmente, cercada por sangue no chão e reparo nos pequenos detalhes. Não há sinal de lobos por aqui, apenas a visão que eu já imaginava, embora tentasse relutar. Ela está lá, encostada em uma parede, sentada no chão. Mas, diferente da postura predadora que esperei, vejo desorientação.

Isabelle usa roupas pretas e tem sangue nas mãos. Os ombros estão caídos e seus olhos focam no nada, perdidos. Não há elegância em sua postura, tem descuido e fragilidade. Sua energia é... Quebradiça. Vejo sangue na lateral de seu rosto, os olhos, agora pensativos, ainda não focam em minha chegada. Não a vejo mover um só músculo.

Há três meses, iria me chamar de louca se tentasse imaginar que me encontraria aqui, caminhando lentamente na direção de Isabelle Monther, depois de ela ter matado quem quer que fosse. Mas muitas coisas mudaram, mudaram o suficiente para que eu não tema me aproximar. Quando chego perto, vejo lágrimas em seus olhos, seu olhar está perdido da mesma forma que o meu estava quando saí chorando do salão do castelo do meu pai, depois de ele me colocar como uma peça para uma negociação política. De alguma forma, compreendo o que é estar tão perdida ao ponto de não encontrar forças para levantar.

Quando chego perto consigo ver o que seus olhos observavam e meu coração aperta. Há duas crianças e uma jovem mortas. A garota foi colocada sentada e os outros dois corpos pequenos estão deitados ao seu lado. Todos sem vida, sem sangue, frios por dentro.

— Isabelle... — sussurro quando já estou bem perto do seu corpo.

No momento em que disse para Isabelle que havia visto assassinatos e os tinha relacionado com ela, não estava mentindo. Antes de entrar na RDIC, enquanto atravessava o oceano para esse lado do mundo, vi que havia assassinatos não investigados e que algo sujava a lente das câmeras nessa história toda. Não precisei de esforços para deduzir que tudo era causado pela vampira, mas isso... Isso aqui é como se a cortina do espetáculo tivesse sido arrancada com muita força.

E é como um golpe em meu estômago. É irracional tentar sustentar os olhares humanos que ainda acredito que ela possui diante disso. Os meus olhos ardem e não se trata da licantropia, são lágrimas. Lágrimas de dor e desesperança. Ver esses corpos sem vida me geram uma sensação de impotência. A lembrança de William, agora incrivelmente distante, falando sobre os assassinatos da vampira retornam.

— Eu sou um monstro — a voz de Isabelle oscila. — Agora consegue ver com clareza que sou um monstro, Emily? — o tom de suas palavras é jogado, largado. — Você acha que eu não percebi que em algum lugar dentro da sua cabeça ainda sustentava alguma crença ridícula em mim?

— O que você... — nem tenho forças para continuar.

— Esse é o resultado de quem confia em mim... — as lágrimas em seus olhos demonstram um descontrole tão próximo, tão repentino e... Estranho. Nunca conseguiria imaginá-la dessa forma, tão rendida. — Como ela confiou...

— A adolescente? — aproximo-me mais do corpo da vampira e me sento ao seu lado. Foco apenas em seu rosto, não consigo continuar encarando os corpos mortos. Seus olhos focam totalmente em mim, estão vermelhos, mas parecem me ver. Eles não me olham, eles me vêem.

A Última Vampira (2ª edição) - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora