(música: Street. Horse. Smell. Candle. - Abel Korzeniowski)
Séculos atrás...
NARRADORA
As noites naquele vilarejo esquecido pelos deuses eram, de longe, torturantes no inverno. Os poucos que possuíam fontes de aquecimento, amontoavam-se, fugindo dos ventos frios. Felizmente, a neve não lhes tocava, não sobreviveriam do contrário. E dentre as tantas casas, amuadas e encolhidas no andar superior de uma residência antiga e desgastada, as duas irmãs tentavam se aquecer embaixo do lençol antigo.
Gostariam de rever a mãe, mas não sabiam quando a encontrariam outra vez. Uma das meninas, de cabelos e olhos escuros, observava a lua por entre a fresta das telhas. Sua irmã, de cabelos e olhos claros, dormia abraçada em seu braço. Uma forte ventania a acordou de súbito.
— Belle, estou com fome — a voz estava fraca e sonolenta.
— Eu sei, Mel — os olhos de Belle eram fundos, ela também tinha fome, quem não tinha naquele fim de mundo? — Tente voltar a dormir. Amanhã encontro comida.
Belle voltou a olhar para a lua, estava cansada de lhe fazer pedidos, de esperar qualquer que fosse o milagre. Ao contrário de Mel, desistira de esperar por sua mãe, ela não deveria querê-las. Mas ela cuidaria de Mel, como tinha feito o tempo inteiro. Uma dor conhecida chegou em sua barriga, também não lembrava quando fora sua última refeição, ou algo que pudesse ser considerado uma refeição.
— Você é uma assassina, Belle?
A pergunta de Mel lhe alarmou, fazendo-a esquecer da dor por um instante.
— De onde tirou isso, Mel?
— Tive um pesadelo em que você era uma assassina.
— Foi só um sonho.
— Belle, fiquei com muito medo.
— Mel... — fez a irmã olhar em seus olhos. — ... foi apenas um sonho.
— Promete?
Ah, Mel. Sempre tão delicada. Belle sentia seu coração aquecido pela companhia da irmã, mesmo que as noites de inverno a assustassem. No fundo, sabia que o seu único medo, no momento, seria perder Mel.
— Prometo.
~~~
Depois daquela noite, a lua não demorou para ficar cheia. Grande e amarelada, potente no céu limpo de nuvens. Os ventos diminuíram naquela noite, o que foi motivo para uma simplória comemoração entre os moradores do vilarejo. Mas aquele luar trouxe consigo seu próprio e verdadeiro rio de sangue.
Soldados licantropes invadiram sem explicações o vilarejo. Execução? O que os moradores fizeram para isso? Como poderiam merecer? Vingança? Mas o que os moradores poderiam ter causado para merecerem isso? A mente de Mel não conseguiu entender, só conseguia sentir a fumaça adentrando os seus pulmões e ardendo em seus olhos.
Mas Belle já entende. Belle entendia o suficiente para saber que isso se tratava de uma limpeza. Se era muito nova para pensar dessa forma? Não ligava. Sabia que era uma limpeza. O vilarejo não tinha tantas pessoas e os licantropes acabariam um por um. A menina paralisou ao ver um soldado, com uma armadura escura, se aproximar de Mel.
— Olá, garotinha — a maldade na voz do soldado era explícita. Mel não soube para onde correr.
Belle aguardou, friamente. Seu coração batia tão forte que jurava poder ser ouvida por todos os licantropes na área, mas aguardou. Esperou o momento exato para partir na direção do soldado. Seu tamanho pequeno lhe permitiu passar despercebida em todo o caos.
Os olhos de Mel assistiram assustados a cena que se passou. Belle pulou nas costas do soldado e puxou sua espada na direção do seu pescoço. O homem reagiu, suas forças não poderiam se equiparar, mas o momento foi certeiro. A menina enfiou um polegar em cada olho do licantrope, não se permitia ao menos pensar nesse momento. A textura lhe incomodava, mas permaneceu até ver o sangue escorrer e os gritos de dor do homem soar alto. Novamente, puxou a espada e, dessa vez, conseguiu o corte perfeito.
Morto.
Um soldado estava morto em seus pés e ela observou as mãos sujas de sangue. Seus olhos buscaram os de Mel e, neles, encontrou apenas medo. Isso lhe fez parar.
— Mel... — tentou falar.
— Você tinha me prometido — os olhos âmbar, claros, da menina se encheram de lágrimas.
Aquela seria a primeira morte de Belle. E ela já sabia que não seria a última.
Também fora a primeira promessa quebrada que fez à Mel. Não se perdoaria se quebrasse outra.
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A Última Vampira (2ª edição) - Livro Um
FantastikLivro 1 da Saga A Última Vampira A realidade de Emily Whytte, princesa do mais influente reino dos lobos, está destinada a mudar no momento em que se esbarra com Isabelle Monther, considerada a última vampira da dimensão. Ambas, movidas por interess...