CAP. 34 - PRISIONEIRA EM REINOS

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(música: Jupiter 4 - Sharon Van Etten)

Dias antes...

EMILY

Quase perdi a noção do tempo dentro das paredes do meu próprio quarto, não posso ir tão além delas. Mas sei que já faz um mês desde que meu pai ordenou que a guarda real me acertasse com dardos para me manter em um tipo bizarro de cárcere privado. Ouço uma batida na porta e Melanie entra no quarto, está usando roupas do Reino do Leste, as cores do reino e o símbolo da guarda.

— Não consegui encontrar saídas do Reino e tem sido difícil me comunicar com as fadas — ela fala, depois de fechar a porta atrás de si.

Melanie tem conseguido me fazer rir em alguns momentos desses tantos dias, mas no geral não consigo escapar da tristeza, que chega de forma súbita. Ainda não saiu da minha cabeça a imagem de Luana sendo atacada por aquela criatura demoníaca, é como rever em loop em meus sonhos, pesadelos. Seguro a pedra que Luana me deu em minha mão, se tornou quase parte de mim.

— O que é isso? — pergunta Melanie, se aproximando.

— A Luana me deu, pertence aos seres celestiais.

— E o que faz?

— Nada demais... — recordo das palavras de Luana sobre a pedra, guardá-las para mim torna, de algum modo, mais real.

— Eu sinto muito, Emily, eu... — Melanie começa

— Para — fico séria. — Só resta nós duas. Mesmo se eu não gostasse de você, teríamos que ficar juntas. Então não me lembra que... — demoro, sentindo algo entre a raiva e a tristeza.

— "Que"... — espera minha fala.

— Nada... — relevo. Melanie não merece a minha raiva agora.

— ... que fui a culpada pela morte de Luana — diz com uma voz triste, baixando o olhar.

— Não foi exatamente assim — tento voltar atrás, mas é impossível.

— Você não acredita nisso totalmente — sorri um sorriso leve e triste.

Em outros tempos, tentaria tirar o peso do momento, mas simplesmente não tenho energia para quebrar minha própria tristeza. Respiro fundo e espero a reação de Melanie, mas ela permanece em silêncio.

— Você está sendo bem tratada? — tento mudar de assunto.

— Sim, de certa forma. Mas... — sorri um pouco. — Acho que o seu pai quer me matar.

— Acho que ele também quer me matar.

Encosto a cabeça nos travesseiros da minha cama e fecho os olhos, sentindo a sensação da companhia de Melanie. Ela vem em quase todos os dias, como se sua ausência me deixasse triste dentro do meu próprio quarto. E não está tão errada. De alguma forma, também sou sua única companhia.

~~~

Isabelle se aproxima com calma e me fala sobre como foi o seu dia, estamos em um dos setores da RDIC. Ela está com uma roupa diferente, mais leve, ainda em um tom escuro, mas não é preta. "Fica comigo", ela me pede, olhando em meus olhos, "Fica aqui, não precisa acordar".

Acordo sem ar na minha cama. Tem sido assim em todas as últimas noites. Levo a mão ao peito e sinto o batimento forte do meu coração. A lua está alta no céu, vejo pela janela. No alto da madrugada, ouço um barulho se aproximando pelo lado de fora.

— Desculpa chegar assim — Melanie entra pela janela. Concordamos que ela poderia vir na hora que precisasse ou encontrasse uma saída. — Achei! Não é tão difícil sair por ela. Vamos amanhã de manhã, bem cedo — seus olhos estão alarmados e a voz é como um sussurro alto. Meu coração bate forte, agora por felicidade e esperança. — Agora preciso ir, mas amanhã eu volto.

O dia amanheceu e o tempo pareceu uma eternidade. Permaneço aguardando Melanie, que partiu tão rápido quanto chegou durante a madrugada. Ouço uma grande movimentação do lado de fora do meu quarto, mas não faço tanta questão em saber o que está havendo. Em pouco tempo sairei daqui, basta apenas amanhacer. Minha mãe entra no quarto.

— Vim saber como você está — ela se aproxima. Também está aqui todas as manhãs.

— Por que nunca tentou sair daqui mãe? — pergunto quando ela se senta perto de mim.

— Eu teria o mesmo destino que sua amiga — meu coração parece parar e minha respiração trava na garganta. — Melanie.

— O que houve com a Melanie? — pronuncio cada palavra devagar, com medo.

— Ela foi encontrada tentando fugir do castelo e, você sabe, ia contra as regras do seu pai — suas palavras pesam em meu peito. — Sinto muito.

Sinto-me totalmente sem chão, se estivesse em pé, precisaria sentar. Respiro fundo e sinto a sensação da perda, como um roubo súbito da vida. Frio. Luana. Agora Melanie. Recordo da noite anterior, da proximidade da mulher, de seus olhos âmbar e de seu sorriso, mesmo que triste.

— Eu amo muito você, Emily — a voz da minha mãe me faz voltar, lágrimas escorrem pelo meu rosto. — Os assuntos dos lobos, todo esse sistema, começou há milênios, filha. Nós somos simples mulheres, não conseguiríamos mudar a história.

Continuo sentindo o vazio. Frio.

— Os guardas vão te levar para o Norte, Emily. Diante da situação, seu pai achou melhor que você já estivesse lá para o casamento.

Sinto-me dormente, não consigo raciocinar ou protestar. Sei exatamente qual será a punição que meu pai dará para Melanie por infringir suas leis. Execução.

— Preciso que você colabore — pede minha mãe, tocando o meu rosto.

Seu toque é o suficiente para me fazer explodir. Sinto o frio se partir como vidro. O interior do meu corpo arde e treme, sinto os meus sentidos ficarem aguçados. Minhas unhas crescem e sinto os meus dentes ficando mais fortes e afiados.

O rei entra no quarto com velocidade, também em estado de pré-transformação e pressiona um pano úmido sobre meu nariz e minha boca. Sua força é superior que a minha e não consigo me mover, vejo os seus olhos em um amarelo vivo, dourado, como ouro no sol. Meus movimentos ficam cada vez mais leves e o peso das mãos do rei chegam a doer. Tudo fica escuro. O choro da minha mãe está alto e a última coisa que ouço são pedidos seus para que não me machuquem. Desmaio.

~~~

O quarto em que acordo é grande, possui cores frias na decoração e uma janela aberta faz com que o vento torne a atmosfera gélida. A cama em que estou é grande e macia, minhas roupas são as mesmas. Algumas bolsas grandes estão perto da cama, mas vejo que foram abertas, roupas minhas. Sinto uma dor de cabeça ao olhar para os lados, minha boca está seca. Meu corpo dói e vejo o sol começar a nascer. Onde estou e há quanto tempo fiquei desacordada?

As lembranças vão chegando devagar, assim como as lágrimas. Devo estar no Reino do Norte, afinal. Tiro o lençol de cima do meu corpo e pisar no chão é como um choque, um contato real. Caminho, ainda chorando, até a janela e o ar do amanhecer continua frio. Observo o sol nascendo. Isabelle, onde você está?

A única, além de mim, aparentemente, é Isabelle. Mas eu a perdi, como tenho perdido cada pessoa da minha vida. Imagino que a essa hora, seja lá que dia for hoje, Melanie já deve ter sido executada e pensar em seus olhos encarando a morte é avassalador... Um peso. O peso da culpa. Se eu não tivesse a levado para o castelo, nada disso teria acontecido.

A morte de Melanie chegou, como Luana havia suposto. Agora, imagino, o descontrole de Isabelle também chegará e ela saberá que fui a responsável. Ela não virá, os sonhos não são reais. Meu peito pesa ao ponto de doer. O ar gelado me faz fechar os olhos e sentir como um sopro frio no rosto. Recordo de sonhos bons naqueles dias tristes de cárcere privado e também do beijo de Isabelle. Meu choro aumenta, assim como a dor em meu coração. Não quero perdê-la, não para a morte, como as outras.

Caminho até a porta do quarto. Trancada.

Outra vez, prisioneira.

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Música(s) do capítulo:
- Jupiter 4 - Sharon Van Etten

[Todas as referências estarão nos créditos no fim do livro]

A Última Vampira (2ª edição) - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora