8. A Oitava Queda.

1.3K 151 44
                                    

Thomaz Rizzi,
32 anos.

Quando a culpa se torna demais para suportar?

Eu estava cansado pra caralho, não dormia há mais de quarenta horas e mesmo assim não conseguia simplesmente deitar e descansar. Um sentimento doloroso dentro do peito me mantia acordado e vigilante, qualquer barulho me fazia pular. 

— THOMAZ! — Uma voz fina gritou e eu já estava correndo escada abaixo antes mesmo de processar a ação. Encontrei Cinzia no meio da sala de estar, mal registrando a porta do elevador se fechando com um ding alto atrás dela. — Samael! Samael! Corra! Corra! Nosso quarto, o banheiro!

Eu não pedi uma explicação, eu não notei Carina atrás de mim gritando para saber o que estava acontecendo; eu apenas corri para o corredor, batendo com tudo contra a porta de emergência que dava nas escadas porque no fundo da minha alma eu sabia que não tinha tempo para esperar o elevador. 

O mal pressentimento cresceu em meu peito quando abri a porta do apartamento do meu irmão, vendo por cima vidros quebrados e o sofá bagunçado. Subi as escadas tão rápido que minha cabeça girou e emergi na suíte principal. Meu coração gelou quando eu vi uma porção enorme de sangue saindo por baixo da porta e meus pés descalços escorregaram no líquido vermelho quando bati com tudo contra a porta, abrindo-a a força. 

Sabe aquele momento em sua vida que você vê algo tão chocante, tão profundamente horrível, que seu cérebro simplesmente se recusa a acreditar? 

— SAM! — Eu gritei caindo de joelhos, sujando minha roupa com sangue. 

— Samael! — A voz de Cinzia surgiu atrás de mim, a de Carina também, mas não me virei. 

Os olhos azuis do meu irmão piscavam com lentidão, dividido entre a consciência e a inconsciência. 

— Eu sou um monstro… — Samael murmurou em uma voz fraca, dolorosa. — Eu sou um monstro… 

Eu pulei de pé e peguei as toalhas sobre a pia, usando-as para amarrar seus pulsos e manter a carne unida conforme Samael desmaiava. 

— Chamei o médico! — Carina exclamou, eu podia imaginar seus olhos arregalados. 

Mesmo trêmulo e com o coração a mil, eu encontrei forças para passar um braço sob os joelhos de Samael e outro sob sua cabeça antes de ergue-lo do chão. Ele tinha quase o mesmo peso que eu, mas desmaiado parecia pesar o dobro, o que me custou toda a força que tinha para carrega-lo até o elevador. 

De novo não. De novo não. De novo não.

Eu pedia a Deus, mesmo sem saber rezar, para que eu não passasse por aquilo de novo. Eu amava aquele garoto com tudo que eu tinha, amava ele como se fosse meu filho e ele estava morrendo em meus braços. 

O médico chegou um minuto depois de eu colocar Samael na cama do quarto de hóspedes. Ele morava no mesmo prédio que eu, sempre pronto para ajudar, mas ele morreria naquele dia. Ninguém poderia saber que Samael tentou se matar, isso destruiria sua reputação e entre meu irmão e qualquer fodido filho da puta, eu sempre escolheria ele. 

Meu coração não desacelerou conforme o médico cuidava de Samael, costurando suas feridas, lhe fazendo uma transfusão de sangue de emergência; nem mesmo quando ele disse que Sam estava fora de perigo eu consegui parar de tremer. 

— Eu imagino que o senhor queira me matar por ter visto seu irmão assim, — Mauro disse se aproximando com lentidão, a voz baixa para que as mulheres não ouvissem. — Mas não precisa. Minha filha tentou se matar um mês atrás; você criou esse menino como um filho, eu sei exatamente a dor que está sentindo. O senhor não precisa se preocupar. Samael seria considerado fraco, minha filha não seria considerada apta para casar. São verdades no nosso mundo, mas nós sabemos que isso não define nossos meninos. 

— Isso é um segredo, Mauro. — Eu enfatizei mesmo sabendo que não precisava; havia sinceridade absoluta no rosto do médico. Ele deu um tapa no meu ombro antes de se retirar do quarto.

— Ele vai ficar bem? — Cinzia perguntou num choro estarrecido. 

— Cin… 

— Saíam. — Não foi um pedido. Eu tive a perfeita imagem mental de Carina arqueando as sobrancelhas. — Apenas saíam. 

║▌│█║▌│ █║▌│█│║▌║

Quando voltei ao quarto mais tarde naquela noite, depois de dizer a Cinzia que ela iria para Las Vegas, meu coração estava pesado. Havia uma batalha dentro de mim. Por um lado eu queria socar o homem que tinha ferido uma garota inocente, minha cunhada. Por outro lado eu queria apenas que Samael ficasse bem. Ele era meu irmão acima de qualquer coisa e bom, quem era eu para julgar? Samael estava desperto quando cheguei e tentou se levantar, mas eu o empurrei para a cama de novo. Ele não protestou. 

— Porque o curativo? — Eu apenas o encarei. Sabia bem que ele se lembrava, seus olhos estavam assombrados. 

— Vinte e oito pontos no pulso esquerdo, trinta e dois no pulso direito. — Expliquei com calma, mesmo sabendo que era desnecessário. Eu me sentia cansado, profundamente cansado. — Porque? Porque fez isso? 

— Não sei. Não me lembro do que aconteceu. — Suas palavras eram falsas e quando ele começou a chorar, soluçando conforme as lágrimas escorriam por seu rosto, eu soube que ele estava arrasado. — Saía daqui, me deixe sozinho, por favor. 

Para o inferno que eu o deixaria sozinho. Segurei seus ombros com a maior gentileza que pude empregar, firmando minhas mãos para que elas não tremessem. Vê-lo chorar era como uma facada no coração. Eu preferia passar por qualquer tortura do que vê-lo em tanto sofrimento. 

— Você precisa de um médico? Um psicólogo? — Perguntei por fim. Geralmente não havia espaço para psicólogos na máfia, os homens feitos precisavam se virar sozinhos, mas eu jamais deixaria Samael sem ajuda profissional por causa de pensamentos idiotas. Seus olhos azuis se encheram de surpresa. — O que você precisa? Me diga. Eu vou fazer. Qualquer coisa, Sam. 

— Samuel. — Sam soluçou abaixando a cabeça conforme seus ombros tremiam pelo choro descompensado. Eu queria abraça-lo, mas não sabia se ele gostaria disso. — Eu preciso do Samuel. Nós éramos a metade de um todo e agora eu estou sozinho. Eu não aguento mais estar sozinho! 

— Você tem a mim! Você tem a Cinzia! Porra, Samael! — Encostei minha testa contra a dele, minha garganta se apertando conforme eu também sentia vontade de chorar. Eu o amava tanto que era impossível respirar sabendo que ele estava destruído o suficiente para tentar suicídio. — Eu não posso viver sem você, tampouco. Sabe o tanto que você sofre com a morte de Samuel? Eu sofro também. Se eu perder vocês dois, eu não vou conseguir continuar.

Eu não poderia contar a ele que a culpa da morte de Samuel era minha, que eu tinha feito aquilo. 

Mas era. 

A culpa era minha. 

A culpa seria minha queda. 

A Queda Do Rei: Segunda Geração - Livro 3.Onde histórias criam vida. Descubra agora