28. O primeiro e último beijo Parte II

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Era difícil compreender exatamente o que sentia naquele momento. Medo, ansiedade, nostalgia e, de certa maneira, um pouco de à vontade. De noite, os corredores vazios tornavam-se sinistros, quase como o cenário de um filme de terror - ou, até mesmo, um cenário da escape room onde Kentin trabalhava. Porém, simultaneamente, a familiaridade e o cheiro a produtos de limpeza (os mesmos à provavelmente uma década) traziam lembranças dos tempos de escola. Imaginei-me ali, ainda adolescente, correndo de um lado para o outro e me metendo em confusões. Era incrível como pouco tinha mudado: os cartazes continuavam os mesmos, e, as pichações, apesar de agora mais apagadas, se mantinham. Era como se estivesse regressando ao passado.

- Como é que está tudo igual? - Pensamos no mesmo. Pelos vistos a direção da escola também permaneceu inalterada. - Parece que entramos na máquina do tempo e estamos em Steins Gate... Você é a minha assistente e eu.. - Fez uma pausa dramática. - Eu sou o cientista louco!

Revirei os olhos enquanto ele ria da sua própria piada. Não era exatamente mentira, se não fosse por mínimas diferenças, eu poderia jurar que tínhamos realmente voltado atrás no tempo. Eram essas pequenas divergências que me mantinham sã.

Caminhei até ao meu armário antigo, como uma traça atraída pela luz, mas, desta vez, estava atraída pela minha própria curiosidade. Me aproximei, receosa, pressionando cuidadosamente as pontas dos dedos contra o metal gelado. Talvez o código continuasse o mesmo. Sacudi a cabeça, eu não podia fazer isso. Não era o meu cacifo à anos e agora pertencia a outra pessoa qualquer. Senti a tinta lascar por baixo das minhas unhas, fazendo com que me afastasse com medo que se desintegrasse com o meu contato.

- Não acredito que estamos fazendo isto! - Confessei, retornando a minha atenção para o garoto. Era tarde demais para voltar atrás, certo? - Não aprendemos com filmes de terror que entrar em sítios de noite é basicamente suicídio?

- Eu só espero que não sejamos engolidos para um universo alternativo cheio de fantasmas de crianças assassinadas. - Zombando, continuou a incitar a minha paranóia. Porque raios o Kentin falou de fantasmas no porão? - Não me admirava que o Totó fosse o boss final.

- Podemos ir logo para o andar de cima? - Questionei, segurando-o pela manga da sua camiseta e puxando-o delicadamente. A cada passo, cada canto parecia mais escuro, cada sombra parecia mais antropomórfica e cada barulho parecia mais humano. - Eu já não me lembrava o quão sinistra era Sweet Amoris de noite.

Armin assentiu, apressando a marcha, não se deixando distrair. Se estivéssemos a jogar um videogame, eu sabia que ele ia tomar o seu tempo explorando qualquer esquina, lendo atentamente todas as notas que nos forneciam mais detalhes da história. Era algo que, apesar de frustrante e aborrecido para mim, como observadora, trazia outro tipo de profundidade e de exclusividade ao jogador. Quantas pessoas encontraram esta carta escondida debaixo de uma prateleira? Quantas pessoas conseguiram perceber o final do jogo sem procurar uma explicação no YouTube? Felizmente, a vida não é um Fallout, e, nesta situação, não era sequer possível encontrar um easter-egg perdido entre os azulejos da escadaria.

Enquanto subíamos, a sua mão segurou a minha, discretamente, como se fosse natural. O seu toque era frio, mas não me incomodou, e eu deixei deslizar os meus dedos para que se entrelaçassem com os dele. Conseguia ouvir o batimento do meu coração, rápido, intenso. Será que ele ouvia também? Será que estava minimamente consciente de como me fazia sentir?

- Está tudo bem? - Parou, repetindo mais uma vez a mesma questão. Estava a um degrau acima de mim, me encarando, banhado pelo luar. Era impossível ficar ainda mais atraente.

Meus últimos sete dias com vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora