4. GTA V: Anteros Academy

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Ao ouvir o barulho de uma chave na fechadura, o meu coração começou a bater mais rápido. Rezei silenciosamente para que fosse Alexy querendo nos surpreender, mas eu sabia que isso era bom demais uma vez que ele muito provavelmente estava aproveitando o fato de o Hyun estar fora da cidade. Nunca tive qualquer problema com os pais dos gémeos, eles apoiavam o nosso relacionamento e me tratavam como se eu fosse sua filha, no entanto receava que, tal como toda a gente, pensassem que eu os tinha abandonado.

- Oi! Vocês estão em casa, garotos? - Uma voz masculina soou pela casa. Estremeci, olhei em volta procurando um esconderijo, mas era tarde demais. Ele andou até à sala, segurando a sua maleta do trabalho e os nossos olhares se cruzaram, deixando um silêncio estranho pairando no ar. Ouvi um riso baixinho e fitei Armin em pânico, pedindo ajuda com os olhos.

- Boa noite, pai! Você se lembra da Ella, certo? - Ele me pegou pelos ombros e sorriu. Eu sentia que ele estava me empurrando por uma tábua num barco pirata, pronta para ser jogada aos tubarões. Eu cumprimentei Arnaldo, com timidez, e voltei a refugiar-me por de trás do garoto.

- Claro que eu lembro, ela praticamente vivia aqui! - Ele pousou as coisas, e levou uma mão ao queixo, pensativo. - Vocês não falaram sobre ela no último jantar?

- Não, não! - Notei que as suas bochechas estavam ficando vermelhas. - Estávamos falando sobre a Ellie de The Last of Us. Provavelmente você estava confundindo o nome.

- O Alexy estava falando sobre uma garota que regressou à cidade e estava trabalhando no café da cidade. Isso não me parece ser sobre um jogo. - Afirmou, duvidando das palavras do filho.

- Mas esse é o plot! - Armin rebateu, se mantendo fiel à sua história. Eu limitei-me a observar a interação dos dois, e ri para dentro, fingindo não estar a perceber nada da conversa. - A Ellie regressou à cidade e está servindo café aos zumbis. Assustador.

- Agora o Alexy tem interesse em videogame? - Perguntou. Imaginei o gémeo de cabelos azuis jogando um jogo de tiro com zumbis, completamente horrorizado, e falhando todos os alvos. O máximo que eu imaginaria ele jogando, seria The Sims. - Isso é estranho.

Vitória acabou chegando um pouco depois, e tal como o Arnaldo, ficou bastante surpresa por me rever. Acabei ficando para jantar, tentei rejeitar, mas após alguma insistência por sua parte, logo percebi que não havia muito o que fazer. A refeição foi agradável e bastante animada, havia um vínculo muito forte entre a família e eu conseguia ver isso através das conversas, o que me fez sentir um pouco de tristeza por já não ver a minha á algum tempo. Discretamente, peguei no meu celular e enviei uma mensagem aos meus pais, dizendo o quanto eu tinha saudades deles, e que logo que a entrega do TCC passasse, gostaria muito de os ver. Quando terminamos de comer, não nos levantamos logo, e ficamos conversando um pouco sobre a minha faculdade, Alexy e sobre o novo trabalho do hacker profissional.

- Pai, me empresta o carro? - Armin checou as horas e se levantou, levando o seu prato até ao lavatório. - Já é bem tarde, é melhor eu levar a Ella até ao campus.

- Mas já? - A mãe dele mostrou um rosto triste, e agarrou nas minhas mãos carinhosamente, apertando-as suavemente. - Estávamos tendo uma conversa tão agradável. Você pode vir até aqui quando quiser, junto do Alexy e até mesmo da Rosalya. Vocês eram cá um grupinho...

Agradeci o convite, sorrindo, e afirmei que voltaria sempre que pudesse. Peguei na minha mochila pousada junto do sofá, e me despedi dos dois com um abraço. Armin acenou aos pais, pegou na chave do carro e na sua carteira de couro com uma Majora Mask gravada que eu lhe ofereci no Natal há uns anos. Sorri, ao notar que ele ainda usava o presente e que ainda o estimava. Descemos até ao térreo, em silêncio, e andamos até ao Honda preto estacionado no outro lado da rua. Eu me sentei no lugar do passageiro com a mochila entre as pernas, e ele ligou o motor, partindo em direção a Anteros Academy.

- Não sabia que você agora conduzia. - Disse, olhando através da janela, meio embaciada. A noite estava escura, e a estrada estava vazia.

- Aprendi tudo no GTA V. - Brincou. Os seus olhos estavam focados na estrada, e as suas mãos seguravam firmemente no volante. - E também um pouco no Need for Speed.

Entre conversas sobre videogames e filmes de quadrinhos, não demoramos muito tempo a chegar à universidade. Vi-o desaparecer para o centro da cidade, e cansada, fui até ao edifício dos dormitórios pensando no banho quente que iria tomar. Ao entrar, notei Priya sentada nas escadas, de cabeça baixa, e logo percebi que algo se passava. Quando reparou na minha presença, olhou para mim. Os seus olhos estavam vermelhos, a sua pele molhada, e eu limitei-me a perguntar se estava tudo bem. Eu nunca a tinha visto assim, para mim, aquela mulher era impossível de abalar.

- Eu acabei de ler um email de um professor que está me matando por dentro. Para me tornar advogada eu tenho que passar pelo Exame da Ordem e com isto, tenho que fazer um juramento de compromisso. - Revelou. As suas mãos tremiam enquanto falava, e eu as segurei carinhosamente. Ela deu um sorriso triste com o meu gesto, e me apertou. - Não vou complicar demais, mas resumindo, eles examinam os nossos antecedentes criminais.

Ela me explicou tudo de forma a entender o que estava se passando. Ouvir a sua história me deixava com um sentimento de injustiça, e eu gostava de a poder ajudar, mas quanto à sua situação nada se podia fazer sem ser esperar que percebessem o que tinha acontecido. Ficamos sentadas naquelas escadas por algum tempo, bebendo chocolate quente da máquina de café do corredor dos quartos, até que notei que ela tinha ficado mais calma. A acompanhei até á sua porta, acariciando os seus cabelos negros longos, e ela me agradeceu por aquele momento. Regressei até ao meu quarto, exausta, e cai para cima da cama sem sequer tirar as roupas.

Na manhã seguinte acordei com os raios do sol a refletir na janela, bocejei, preguiçosa e cocei os olhos que se estavam habituando à claridade. Me arrastei para fora da cama, me dirigindo até ao banheiro onde tirei as roupas com que tinha adormecido e as atirei para um canto enquanto ligava a água para lavar o meu rosto. Vesti o meu robe vermelho que estava pendurado na porta e coloquei a escova de dentes na boca, me dirigindo até ao criado mudo onde estavam as minhas coisas jogadas. Peguei no meu celular para ver as horas e notei que estava descarregado. Atirei-o para a almofada, e rapidamente tirei o carregador da mochila e o liguei à corrente: sabia que Rosalya e Alexy me tinham bombardeado de perguntas, mas eu queria saber de atualizações de Armin. Ele estava falando sério sobre refazer a nossa lista? Ele fica bem determinado quando se trata de um jogo, e eu não deveria estar pensando nada de mais, mas... A verdade é que quando fizemos estes desafios nós éramos um casal, e aquela nossa última semana acentuou os nossos sentimentos um pelo outro. Sacudi a minha cabeça para afastar estes pensamentos, e me sentei na cadeira de secretária rodando na mesma, fitando o teto. 

Meus últimos sete dias com vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora