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FIQUEI MAIS QUARENTA MINUTOS na biblioteca, até a aula de inglês acabar e dar a hora da de biologia, pois estava agitada demais para me concentrar em qualquer outra coisa que não fosse vê-lo. Fui para a sala de aula um pouco mais cedo, querendo um momento a sós com você.

Mas quando entrei na sala, você não estava sozinho. Havia uma funcionária da faculdade a seu lado. Uma morena bonita, com um vasto cabelo cacheado, vestindo uma saia-lápis sofisticada que combinava com os saltos de cor vibrante. Conforme eu ia para a carteira, com os olhos ainda fixos em você e na nuca da mulher, você ergueu o rosto.

Mas quando seu olhar cruzou com o meu, você virou o rosto imediatamente, como se não quisesse ser pego olhando para mim. Ignorei a leve sensação de levar uma alfinetada. Sabia por que você precisava fingir não me ver, mas parte de mim queria ir até lá e marcar território de alguma forma, conversar sobre a vista fantástica que compartilhamos em High Rock.

Alguma coisa, qualquer coisa, para provar a ela que eu significava algo para você.

Mas, em vez disso, apenas me sentei e o observei assentir, e, conforme ela virou ligeiramente o corpo, tive uma visão melhor de seu lindo batom cor-de-rosa em tom pastel enquanto ela falava. Era tão elegante, tão bem-composta, tão madura.

Não sei sobre o que estavam falando, mas, momentos depois, ela deu um soco de brincadeira em seu braço, e você riu. Logo em seguida, ela saiu. Enfim, você olhou para mim de novo, e ergui uma sobrancelha, como se dissesse O que foi isso?, antes de perceber que estava agindo de maneira idiota.

Ela era sua colega de profissão, e eu me comportei como uma namorada com ciúme sem motivo.

Logo os outros alunos começaram a chegar, enchendo a sala de ação e conversa, e não havia mais espaço para outro momento entre nós. Depois de o último aluno afundar na última cadeira vazia, você se levantou e andou até a frente da sala.

— Muito bem, então. Antes de começarmos a prova de hoje, vamos fazer uma revisão rápida.

Prova.

A palavra ecoou em meus ouvidos sem parar enquanto o pânico surgia.

Passei o fim de semana todo pensando naquele dia, na aula, em ver você. E nem um segundo estudando. Nem um único instante. Havia três provas no trimestre: duas no meio do período e uma no final. Somadas, elas valiam metade da nota, e a outra metade eram as notas de laboratório.

— Quem pode me dizer que parte da célula é conhecida como "casa de máquinas"? — perguntou você, fazendo sinal de aspas com os dedos. Olhou para um sujeito alto e magro que se sentara na extremidade do semicírculo, o que tinha dezenas de camisas de time de futebol americano, se é que o que ele vestia no dia a dia poderia servir como referência. — Sr. Johnson?

O sr. Johnson esticou a coluna, e a carteira rangeu.

— Hã, a mitocôndria?

— Certo. E onde ficam os cromossomos? — indagou você, virando-se para olhar ao redor da sala, esperando que alguém se manifestasse.

— No núcleo — disseram.

Você sorriu. No brilho de seu sorriso, esqueci meu pânico. Você gostava de ensinar, gostava de ver nosso progresso, talvez como um pai orgulhoso. Não era uma questão de mostrar serviço nem de ser competitivo. Era uma simples espécie de alegria pelo que fazia, e eu admirava isso. Para meu pai, minha mãe e meu irmão, tratava-se sempre de ser o melhor em alguma coisa, de se exibir. Mas para você era um simples prazer.

— Bom. E os ribossomos?

Seus olhos vagaram pela sala, esperando que alguém respondesse, mas só houve o farfalhar de papéis e cadeiras sendo arrastadas. Então, seus olhos pousaram em mim, e eu sorri de volta, lembrando-me de High Rock, lembrando-me da sensação do sol em nossas bochechas, mesmo com o ar frio roubando nosso calor.

A Verdade Sobre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora