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OS PRIMEIROS DIAS de dezembro foram os mais difíceis, conforme nos aproximávamos da fatídica noite. Por vários motivos. Eu queria tocá-lo, ficar perto de você, senti-lo.

O rio estava frio demais, então passávamos muito tempo entocados em sua casa. Naquele dia, você estava de um lado da mesa, corrigindo os trabalhos de uma de suas outras turmas.

Havia insistido que não corrigiria nada da aula que eu fazia na minha frente, como se isso me fizesse deixar de ser sua aluna, impedisse essas duas partes de nossas vidas de se chocarem em uma explosão catastrófica.

Eu queria memorizar sua aparência naquele instante, o jeito como seu cabelo caía nos olhos (havia crescido ao longo do trimestre), a luz da tarde cintilando levemente em sua barba por fazer, os lábios se fechando ao redor da borracha na ponta do lápis vermelho que você mordia.

Em silêncio, peguei o celular só para tirar uma foto sua.

A foto que acabaria nos separando.

Coloquei o celular na mesa e, quando ele bateu no carvalho, você ergueu o olhar e me observou por um segundo antes de soltar o lápis.

— Semana que vem — disse você.

— Hã? — perguntei.

Meus pés estavam apoiados na terceira cadeira, a que ficava entre nós. Era a única maneira de permanecermos sentados sem nos distrairmos. Você havia preparado para mim um prato de frango com arroz que ainda estava no forno, e o aroma invadia a cozinha.

Certa vez, você disse que era péssimo cozinheiro, mas estava sendo modesto. Eu teria jantado feliz com você todas as noites. Queria cozinhar a seu lado um dia, passar talheres para lá e para cá, procurar temperos, talvez até fazer as compras e marcar nossos pratos favoritos naquele velho livro de receitas que você tinha.

— As provas vão acabar — continuou você, com a intensidade brilhando em seus olhos ao me observar. — Na sexta.

— Ah — disse eu, e meu coração disparou.

Semana que vem.

Treze de dezembro. O dia em que finalmente nos beijaríamos.

O dia em que eu teria que lhe contar a verdade.

É possível esperar um dia com uma ansiedade constante e esmagadora... e temê-lo quase na mesma proporção? Era como o momento no topo da montanha-russa, quando seu coração sobe para a garganta e você fica extasiado ao pensar na descida, mas também aterrorizado.

— Eu estava pensando... — Você pousou a caneta na mesa e se recostou na cadeira. — Uns amigos meus têm um chalé na montanha Crystal. Achei que podíamos usá-lo. Comprar comida e chocolate quente, sei lá, acender a lareira, passar a noite...

Minha boca ficou seca e o frio na barriga virou uma bola de neve, depois uma avalanche, e me senti eufórica e enjoada ao mesmo tempo.

Um beijo.

Tudo que sempre desejei foi um beijo.

Durante todas essas semanas, havia pensado muito naquele momento em High Rock, quando você me prometeu um beijo...

E não cheguei a pensar no que aconteceria depois. Estava tão concentrada, surtando com a perspectiva de lhe contar que tinha dezesseis anos, que não me permiti sonhar com nada que viria depois desse dia.

Foi a única vez em que me senti uma garotinha ingênua perto de você, Bennett. Naquele momento, percebi que você queria que passássemos a noite juntos. Uma noite inteira sozinhos em um chalé, sem ninguém para incomodar.

Garotas mais velhas, garotas de dezoito anos, normalmente já tinham essa experiência.

Sabiam o que queriam e se sentiam à vontade com isso. E, apesar de ter lhe contado que nunca havia me apaixonado, parte de mim achava que você presumia que eu tinha alguma experiência. Eu não sabia se seria capaz de contar que não, que nunca tinha dado nem uns amassos.

Não achava que você me julgaria, mas não queria que isso mudasse sua maneira de me ver. Não queria lhe dar um pretexto para recuar, inclinar a cabeça para o lado, olhar para mim de verdade e finalmente ver as rachaduras na fachada.

Não queria que você chegasse a ponto de me perguntar Mas quantos anos você tem... de verdade?.

— Quer dizer, não sei se seus pais... — Você parou de falar.

Queria evitar o assunto tanto quanto eu, mas precisava falar, porque você sabia que eu morava com eles, e não no minúsculo alojamento do campus.

— Eles não são meus carcereiros — comentei, afastando suas preocupações como se aquilo fosse assim, tão simples. — E parece incrível. Eu adoraria. Com uma condição.

— Qual?

— Que você faça um boneco de neve para mim.

E foi assim que concordei em ir para a montanha com você, Bennett.

Se eu soubesse quanto tudo já teria mudado ao voltarmos...

A Verdade Sobre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora