*

653 47 0
                                    

VOCÊ AINDA NÃO sabia onde eu morava, e tive que dar instruções pela cidade. Aposto que estava se xingando ao perceber que deveria ter perguntado, ao perceber que deveria ter prestado mais atenção às pistas. Por outro lado, era uma faculdade comunitária, e a maioria dos calouros ainda morava com os pais.

Além do mais, de um jeito ou de outro eu não poderia tê-lo apresentado. Você era meu professor, e estava preocupado demais em esconder nosso relacionamento.

E foi assim que consegui mentir por tanto tempo. Porque havíamos concordado sobre o segredo... mesmo que você não soubesse direito com o que estava concordando.

— A amarela — disse eu, apontando para uma casa colonial antiga no lado direito da rua.

Você diminuiu a velocidade, freou e parou no meio-fio. Não olhou para mim, para a casa, para nada a não ser a rua, e ainda assim duvido que estivesse vendo mesmo o caminho. Você estava olhando diretamente para a frente, com os olhos meio vidrados, apertando o volante com força, como se fosse a única coisa a mantê-lo de pé.

Olhei para a casa e levou meio segundo para a suspeita despertar em meu corpo. Pisquei e observei as janelas.

Luzes.

— Benn... — Mas minha voz morreu. Pisquei de novo e me virei para olhar atrás da picape.

Do outro lado da rua havia um Dodge Charger azul-escuro com vidros fumê.

O medo tomou conta de mim quando olhei para a casa outra vez. Luzes demais. Eram seis e meia e meus pais nunca acordavam antes das oito aos sábados.

Era o único dia em que minha mãe se permitia ser um ser humano e não um robô.

Peguei a mochila no chão.

— Você tem que ir — falei, a voz trêmula. — Agora. — Abri a porta tão rapidamente que por pouco não caí de cara no chão ao descer. — Vou dizer a eles que não aconteceu nada. Que conversamos durante horas, e só. Entendeu? Não aconteceu nada — concluí. O desespero em minha voz deve ter ficado claro, porque você olhou para mim com uma expressão bem diferente: confusão.

— Vá embora — repeti em voz alta, o que deixava claro meu pânico.

Atrás de mim, a porta da frente de minha casa gemeu, e logo em seguida veio o som da porta de tela batendo.

Fechei os olhos e engoli em seco, conforme o pavor me esvaziava, fazendo-me sentir um remorso diferente de qualquer coisa que eu já havia sentido.

De qualquer coisa que vou sentir.

Eu me virei e vi meus pais lado a lado na varanda. Minha mãe tinha um lenço amassadona mão, e estava assustadoramente desgrenhada. Seu coque, antes perfeito, estava frouxo e caía pelo rosto. E ela usava um roupão apertado, os braços envolvendo o corpo.

Fiquei parada na frente da porta da picape tentando impedir que vissem você, como se houvesse um jeito de tirá-lo dali ileso.

Mas então uma pessoa saiu de trás deles, e foi o fim.

Era um policial.

A Verdade Sobre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora