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HORAS DEPOIS, desemaranhei os braços e as pernas dos seus enquanto o amanhecer invadia o quarto. Não pelas cortinas, mas pela sala, o lugar para onde nunca chegamos a voltar.

O ar no chalé não estava tão frio como quando chegamos, então imaginei que você tivesse se levantado à noite para alimentar o fogo. Ele dava um tom alaranjado à sala, que tinha toda a mobília de troncos e suvenires bregas de chalé.

Fiquei de pé no meio daquilo tudo por um bom tempo, com o cobertor enrolado nos ombros, olhando para tudo, observando tudo, memorizando tudo.

Foi estranho ter tido essa sensação, como se tivesse necessidade de memorizar aquele amanhecer, como se não fosse vivenciá-lo de novo, como se precisasse guardá-lo e me agarrar a ele com força, garantir que nunca se perdesse de minha memória.

Provavelmente eu sabia, não é? Que tudo daria errado.

Tinha dezesseis anos, mas não era burra.

Todo aquele tempo, todas aquelas semanas, e ali estava eu, nos momentos seguintes à noite em que enfim ficamos juntos de verdade, e me sentia estranhamente... perdida.

Havia concentrado todo o meu tempo, todos os meus pensamentos naquele momento. Depois que ele passou, percebi com uma chocante clareza. Ali, de pé no meio do chalé, percebi que estivera disposta a fazer qualquer coisa durante doze semanas, estivera disposta a mentir e a criar para você uma versão de mim inteiramente nova...

Mas ainda não tinha contado a verdade, e não sustentaria a mentira por mais dois anos.

Anos, Bennett. A palavra me atingiu como um martelo na cabeça conforme eu me via ali sozinha, no brilho do fogo, ouvindo-o estalar, pipocar e aquecer a sala enquanto, de repente, eu sentia muito frio, até os dedos dos pés. Estiquei a mão, encontrei seu moletom com capuz do Seahawks e enfiei o braço. Passei-o pela cabeça e inspirei seu aroma enquanto minhas emoções guerreavam.

Eu queria você tão desesperadamente, amava você tão completamente, e naquele momento, sozinha à luz do amanhecer, percebi que perdê-lo era uma possibilidade muito real.

Mesmo então, não achei que aconteceria da forma como foi, tão abrupta e cruel, mas parte de mim se deu conta de que eu jamais poderia ficar com você, que você nunca pertenceria a mim como eu queria tão desesperadamente pertencer a você. Da mesma forma que uma criança não pode levar um cachorrinho para casa e mantê-lo em segredo, porque em algum momento a mentira escondida crescerá e latirá e exigirá atenção. E assim seria meu relacionamento com você.

Você desejaria mais... e meus pais descobririam... e eu tinha apenas dezesseis anos.

Fechei os olhos e respirei fundo algumas vezes, e me acalmei enquanto seu aroma me envolvia. Não era só um moletom. Você estava em mim, no cobertor, e isso me acalmou, lembrou-me de que eu ainda estava com você, pelo menos naquele momento.

Então, decidi ignorar o futuro, ignorar o segredo que crescia, e que em breve seria grande demais, mas que por enquanto eu guardaria, e seríamos só eu e você e mais nada.

Eu não tinha como saber os dias, as semanas, talvez os meses que passaríamos juntos antes que tudo se complicasse...

Não tinha como saber que tudo desmoronaria na hora seguinte.

Entrei no banheiro e só acendi a luz quando a porta estava quase fechada. Mas ela parecia emperrada, como se eu precisasse dar um empurrão para fechá-la por completo. Eu não queria acordar você, então deixei um filete de luz, que deve ter entrado no quarto.

Sob a luz cruel de três lâmpadas incandescentes amareladas, eu me olhei, tentando me ver da forma como você me via. Como uma bela universitária, uma pessoa por quem você sentia atração. Uma garota que não parecia a que minha mãe, meu pai e meu irmão enxergavam.

Eu parecia mesmo mais velha, diferente, mais sensual. Merecedora de sua atenção, envolta em seu moletom, com o cabelo desgrenhado em torno dos ombros.

Comecei a ter esperanças de que, de alguma forma, de algum modo, aquela não fosse nossa única vez juntos. Que eu ficaria com você. E eu sabia que você não enxergava aquela vez como a única; você havia esperado doze semanas para ficarmos juntos.

Não uma noite, não uma vez, mas para sempre.

E enquanto encarava o espelho, tive dificuldade em me ver como a garota que se sentava no chão do quarto e fingia fazer o dever para deixar o pai feliz.

Usei o banheiro, lavei as mãos e arrumei o cabelo nos ombros de um jeito sexy, para o caso de você ter acordado enquanto eu estava lá dentro.

Queria que você me visse e me desejasse de novo. Não sabia quanto tempo teria com você, mas teria aquela manhã e daria um jeito de fazê-la se prolongar o máximo possível. Eu encontraria um jeito.

Saí do banheiro e apaguei a luz ao pisar no quarto. Olhei para a cama e fiquei surpresa ao vê-lo acordado, puxando um cobertor do chão para seu colo. Com isso, minha mochila caiu, e o conteúdo do bolso da frente se espalhou.

Cheguei exatamente na hora em que você pegou aquela folha de papel laranja, que caiu bem a seus pés. E naquele momento meu mundo se estilhaçou, e nada mais em que eu estivesse pensando, os medos e as esperanças, a realidade e os sonhos...

Nada importou, porque você havia acabado de descobrir a verdade.


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