Desafinado

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Quando Anderson, mais conhecido como Deco, viu o resultado da sua última prova de matemática, ele entendeu que estava ferrado.

Se sua irmã soubesse que no segundo bimestre ele corria o risco de pegar uma recuperação e não passar o recesso em casa junto com Tainá, ela talvez o faria perder todos os cabelos que tinha.

Afortunadamente, ele sempre deixava cortado bem rente, como se soubesse que em algum momento ela iria puxá-los. Porém, sua irmã não fazia a linha violenta. Na verdade, Tainá nunca encostou um dedo nele. Ao contrário de coisas que ele vira quando era pequeno, e passou muito tempo tentando esquecer.

- Deco... Tu tá ferrado, se tua irmã vê isso... - comentou um colega do futebol, Marquinhos. Era um dos poucos amigos sinceros que Anderson tinha, já que a maioria da turma era formada por pessoas de classe alta e sempre olhavam os bolsistas do colégio com desdém.

Marquinhos era de uma família bem situada - o pai, dono de uma concessionária, e a mãe, sócia de uma cafeteria hypada na Pituba - mas o garoto não se apresentava com arrogância.

Marquinhos só queria jogar bola; Anderson e ele torciam pelo mesmo time.

- Pior que não é só matemática não, man. É matemática, ciências, história... Ano passado eu tava indo bem.

- Sim, quantas vezes eu ia pescá de você? Que merda tá acontecendo contigo este ano, maluco?

Ele andava um pouco estressado, irritado com a escola, com o clima, a forma que outros colegas o tratavam. Ele ouvia murmúrios, conversas, especialmente do pessoal do futebol, que falavam sobre ele morar apenas com a irmã, ser bolsista, falarem sobre a ausência do pai e da mãe, o fato de que alguém descobriu onde ele morava.

- Galera, Anderson mora na Boca da Mata, num becão!

Quem fez a provocação foi Rogério, herdeiro de uma grande construtora e seu pai era candidato a governador da Bahia.

- O metrô já chegou lá, Anderson?

- Você mora no mato?

- Teu pai deve catar bicho pra você comer, né?

Os outros garotos riram, enquanto Anderson fechou os punhos, bufando. Daria uma porrada nos garotos, quando todos foram interrompidos por um dos professores.

- Nada de confusão. - o professor de Educação Física virou-se para Anderson e disse: - E você, melhor se acalmar porque se fizer qualquer besteira perde a bolsa.

Aquilo foi gatilho suficiente para que os meninos começassem a perseguir Anderson, e o garoto precisava se acalmar para não fazer nenhuma besteira.

Não queria falar com a irmã sobre o que passava, porque ele sabia que Tainá também passava por dificuldades. Ela era o arrimo de família: trabalhava num call center e pagava as contas com dificuldade. Muitas vezes, Anderson se irritava por querer ajudar e a irmã recusar.

- Eu trabalhei desde criança, e eu não quero que você faça isso!

- Mas Tainá... Você fica se esforçando, se matando todo dia e não tem tempo pra você!

- Eu tô trabalhando pra que você não precise fazer o que eu faço. Eu não quero ver você atendendo cliente estressado, ouvindo desaforo, recebendo miséria. Se você tem essa bolsa no colégio de rico, tem que tirar nota boa pra fazer uma boa faculdade e ser gente na vida. Você não vai ser como eu.

Anderson não queria ter uma vida miserável, nem fazer sua irmã ficar triste ou decepcionada. Mas a vida escolar parecia cada vez mais complicada, e Anderson estava a uma provocação de colocar tudo a perder.

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