No compasso perfeito

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Aquele bar não ficava no Rio Vermelho. Ele era localizado num bairro próximo à residência de Tainá, em uma vizinhança de classe média-baixa de Salvador. Era um bar mais simples, longe do ar boêmio do local onde Léo e Tainá se encontraram pela primeira vez, mas para a jovem, o estabelecimento era uma escolha mais tranquila, já que ela estava perto de casa - e por consequência perto de Anderson.

Inicialmente, a ideia era uma saída para o Parque da Cidade, mas o tempo fechado atrapalhou os planos dos dois. Restou a Léo e Tainá o bar perto da casa da jovem, um espaço coberto.

- Aqui é mais tranquilo... – comentou a jovem, enquanto tomava um gole da cerveja. – Os petiscos são uma delícia, toca um pagode legal, todo mundo se conhece. A cerveja é gelada e mais barata que naquele bar lá no Rio Vermelho.

- Aqui é visivelmente mais animado. – respondeu o professor, olhando para todos os lados com um sorriso aberto, e olhar brilhante. - Me lembra um pouco a vizinhança dos meus avós. Passei boa parte de minha infância em Castelo branco. Minha mãe, meus tios, meus avós, são todos de lá.

- Tem uma amiga que mora em Castelo Branco, Simone. Ela tava no bar naquele dia. Às vezes ela vem aqui pra gente beber um pouco, mas não faço isso regularmente. Prefiro ficar em casa, até porque tá tudo caro, e não quero ficar fisicamente longe de Anderson. A vizinhança é tranquila, mas tem vezes que rola assalto, roubam os mercados... A polícia para, bota uma ou duas viaturas e fica caminhando, depois vai embora e fica tudo ok por um tempo. Aí se repete de novo.

As referências indicadas por Tainá pareciam familiares a Léo também. Apesar de ter passado a infância e adolescência divertindo-se com os irmãos e primos em Castelo Branco, havia uma outra parte de seu passado, na sua primeira infância longe do pai e da mãe, onde ela morava em uma vizinhança violenta, e que nem na polícia se podia confiar porque ela não chegaria para resgatá-lo da maldade das pessoas que eram seus pais biológicos.

Mas não era hora de pensar naquilo. Há muito tempo, as cicatrizes eram apenas marcas discretas quase imperceptíveis no corpo de Leonardo, e as memórias da primeira infância não eram tão relevantes para o homem que ele se tornou.

Como estava dirigindo, não pediu cerveja. Bebia um refrigerante com limão e gelo, e os dois pediram um petisco.

- Por que que você decidiu ser professor de música?

- Eu sempre gostei de música, especialmente o piano... Aí, na escola em que eu estudava... Justamente o colégio Global... Eles tinham aulas de música, mas não nesse formato que eu faço. Eram aulas direcionadas, então como comecei a fazer aula de piano, e percebi que era aquele instrumento que eu gostava, pedi ao meu pai e à minha mãe pra pagar algumas aulas extras. Cheguei até a participar de recitais na adolescência. Aos poucos, eu comecei a ver que a música era algo que eu gostava muito, mas não pra virar artista. É que eu não gosto muito de aparecer num palco. -sorriu, enquanto movia os óculos de armação fina, estilo aviador.

Ao ouvir que Léo estudou no Global e os pais pagaram uma aula de piano para ele, Tainá entendeu que o rapaz tinha uma boa situação financeira. Não queria apontar nada, e talvez ele nem fosse do tipo quisesse falar sobre isso, a julgar pelo carro simples e pela atitude modesta com a qual ele se apresentava. Todos tinham seus segredos e coisas que queriam guardar ou manter para si. Ela era uma dessas pessoas.

- Aí você achou que valia a pena dar aulas?

- Sim, eu sempre gostei da ideia de lecionar, então foi uma progressão natural. Dar aulas em público e tocar piano por prazer dentro do meu quarto, que é grande, então compensa.

- Você mora sozinho?

- Não, eu moro com meus pais e meus irmãos, menos minha irmã mais velha, que mora já com o namorado, e outra irmã que tá entre ficar em casa e ir para o convento. Ela tá estudando pra virar freira; ainda é noviça.

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