Capítulo 3

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— Creio que será melhor você me acompanhar até a assistência social quando chegarmos – ele avisou com a voz baixa e firme.

— E por que eu faria isso? – Ela perguntou com deboche.

— Você poderá fazer isso por bem ou por mal. Poderá ser acionada depois, mas eu não faria isso se fosse você.

Ele a estava ameaçando. Lara não conseguiu encontrar a voz para retrucar. E quando ia falar algo, percebeu que chegavam ao hospital. Ele pareceu gostar de vê-la se calar. Como se ter dado a última palavra fosse uma vitória.

O socorrista não esperou ela dizer mais nada. A ambulância estacionou e ele se levantou, para não dar oportunidade de ela falar nada.

— Vamos lá, senhora Mirtes? – Ele ofereceu a mão delicadamente à senhorinha. Desgraçado. Lara pensava em como podia ser tão gostoso e teimoso?

Ela esperou que a senhora descesse e só então viu em qual hospital estavam. Do outro lado da cidade, iria demorar a voltar para o centro.

Estava pensando sobre isso, já tendo descido e se situando, quando o motorista da ambulância trouxe uma cadeira de rodas para a teimosa senhora Mirtes e levou-a para fazer a recepção.

— Bem. Pode, por favor, me acompanhar até a ala da assistência social? – Perguntou o scorrista, vendo que ela já se preparava para ligar para um táxi.

Olhar para a expressão dele de deboche, fez o sangue de Lara ferver e ela colocou o celular novamente no bolso de sua calça jeans.

— Claro.

Ela então fez questão de levar isso até o fim. Ele estendeu um braço, pedindo que ela fosse na frente, certamente com medo de ela fugir. Revirando os olhos, ela se encaminhou para uma porta pequena, distante de onde a senhorinha entrou.

Andaram por um corredor estreito e comprido, cheirando a antisséptico e Lara olhava para trás a cada porta que passava e o rapaz a instava a continuar. Quando chegaram um pouco mais que o meio do corredor, ele avisou que era na próxima sala à esquerda. Mas passou na frente dela e bateu na porta. Pediu que ela esperasse e uma mulher na casa dos trinta e cinco anos abriu a porta.

— Pois não, Ícaro? – Ela perguntou a ele e Lara pensou que o nome combinava bem com ele.

— Aguarde aqui uns minutinhos – ele avisou Lara e fez menção de fechar a porta após entrar, pensou bem e a abriu novamente. – Não saia daqui.

— Não vou sair. Fique à vontade para fofocar a meu respeito – ela se encostou na parede e demonstrou que não se importava com o que ele fosse falar à mulher, que a julgar pela placa na porta, era a assistente social.

— Não vou fazer fofoca. Vou apenas relatar o que vi. Aguarde aí, ou iremos encontrá-la de qualquer jeito.

— Ok – Lara respondeu e passou a olhar as unhas, relaxada.

Ícaro então entrou na sala e Lara chegou a encostar o ouvido na porta para ouvir o que falavam, mas não ouviu nada, as vozes saíam abafadas.

Ele saiu de lá cinco minutos depois e a mulher pediu que, por favor, Lara entrasse na sala.

— Bom dia, por favor, sente-se – pediu educadamente, a mulher e Lara se sentou de frente à mesa dela. Ícaro ficou de pé atrás dela. – Me chamo Radja e sou assistente social aqui no hospital, em especial, trato da parte geriátrica, não sei se Ícaro lhe comunicou. Qual seu nome?

— Me chamo Lara – ela apertou a mão estendida da mulher. Olhando ao lado, Lara notou que era um escritório pequeno. Apenas uma mesa, onde estava sentada Nadja e a que Lara estava. A mesa era composta por um computador e dois porta retratos de uma menina sorridente, de uns dez anos, junto de Nadja. Nas duas fotos tinham as duas em poses alegres e dentes à mostra. – E não, Ícaro não me falou nada, nem o nome dele, só me escoltou até aqui. Nadja, eu não gostaria que ele ficasse na sala. Já que ele falou a sós com você, imagino que eu também possa falar.

Ícaro deu um passo para o lado, para ficar do lado dela e já tinha uma recusa em mente e saindo pela boa, quando Lara o interrompeu:

— Claro, Lara. Ícaro, por favor, espere lá fora – pediu com educação a assistente social.

Para Lara, pareceu uma vitória e lhe pareceu também que ele saiu batendo os pés, irritado.

Nadja usava um jaleco com seu nome estampado na lapela do bolso. Parecia ser uma mulher autoritária, acostumada a ser respeitada, emanava poder, mesmo estando sempre com um sorriso amigável nos lábios e a voz calma.

— Pois bem, Lara, chegou ao meu conhecimento que a senhora Mirtes que deu entrada no hospital agora, que veio acompanhada por você, passou mal na rua, desmaiou, não foi isso?

— Sim. Ela perdeu a consciência por uns minutos, liguei para a emergência e quando chegaram, ela já tinha recobrado a consciência. Os Socorristas fizeram as medidas lá e me parece que ela estava com descontrole de glicose ou algo assim.

Se estivesse ali, o Socorrista iria dizer algo, irritaria pela forma que ela relatava o ocorrido, mas Nadja anotava o que ela falava e confirmava com a cabeça.

— Ok, a senhora é sua mãe, não?

— Não, Nadja. Eu nunca a tinha visto em minha vida. Estava passando, tinha ido comprar um café na cafeteria em frente de onde ela passou mal e ofereci ajuda. Quando a abordei, perguntando se sentia bem, ela estava desfalecendo. Gritei, pedi ajuda e levam-na à cafeteria onde chamei a ambulância. O jagunço do Socorrista Ícaro me arrastou junto e veio me tratando mal de lá até aqui e me arrastou também aqui para falar com você, me ameaçando o tempo todo, dizendo que se eu evadisse do local, me achariam, a polícia, no caso.

Lara despejou tudo com calma. Se arrependeu pela forma que falou ao ver Nadja empalidecendo e parando de anotar.

— Meu Deus, eu sinto muito, Lara.

— Tudo bem, de verdade. Ele estava fazendo o papel dele de se preocupar com uma idosa e, por achar que eu era filha dela, se irritou por eu não querer acompanhá-la – Lara queria tranquilizar a mulher.

— Mas... ele não podia fazer o que fez.

— Nadja, para te falar a verdade, foi até engraçado e aproveitei para tirar uma com a cara dele.

O Socorrista ÍcaroOnde histórias criam vida. Descubra agora