Capítulo 8

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Ícaro tivera uma hora agradabilíssima com Samira, como sempre, mas ainda se sentia cheio de energia. Deixou Sam em sua casa e foi para a casa de sua mãe. Gostava de visitar a mãe sempre que tinha uma folga e essa, mesmo que sendo uma folga forçada, não seria diferente. Passaria a tarde com sua velha mãe. Agnes, sua mãe, morava com seu irmão mais velho e sua cunhada. Ou melhor, eles eram que moravam com sua mãe. Robert, seu irmão, tinha voltado a morar com a mãe quando o pai deles faleceu, há cinco anos. Era casado com Tícia e a pedido da esposa, resolveram que Agnes precisava de companhia, mesmo ela dizendo que não. Foram ficando e quando viram, estavam de vez morando com Agnes.

Tícia e Robert eram casados há dez anos e tentavam engravidar há pelo menos cinco anos. Até agora não tinham tido sorte, mas seguiam tentando. Agnes sonhava em ser avó, dizia aos quatro ventos que Tícia era a filha que não tivera e as duas eram inseparáveis.

— O que faz em casa uma hora dessas? – Perguntou o irmão assim que ele adentrou o portão e pegou Rufus, o velho cachorro vira-latas no colo.

— Houve um problema e tive que tirar uns dias de férias – respondeu ele, passando pelo irmão e procurando a mãe.

— Problemas? – Perguntou a mãe que o ouviu. Agnes vinha da sala e o encontrou na cozinha. – Está com fome?

Sua mãe era sempre assim, mal olhava nos olhos dos filhos e já perguntava se estavam com fome. Seu pai tirava o sarro nela por isso desde que eles eram crianças. Ela achava que todo e qualquer problema se resolveria comendo.

— Oi, melhor mãe do mundo. Não teve problema algum, tá? Só vão ter que me suportar uns dias por aqui. – Ele beijou o topo da cabeça grisalha da mãe. Agnes não era considerada uma mulher alta, com seus um metro e setenta e cinco, ainda era baixa perto dos filhos, Ícaro com um metro e noventa e Robert com um metro e noventa e dois, ela se sentia, como dizia, na casa de gigantes.

— Vou respeitá-lo, tá bem? Gosto de respeitar meus três filhos, você, Rober e Tícia, então vou fingir que acredito e não vou perguntar mais. Venha, vou colocar um pão na chapa para você.

Agnes era mesmo uma mãe que respeitava os limites dos filhos, por mais que tentasse lhes tirar o que não contavam de outras formas. Ela sempre incluía a nora como filha e respeitava o casal que morava com ela, delimitando um limite, mesmo quando sentia cólicas de vontade de se interferir. Ícaro estava grato por ela lhe forçar a comer algo agora, perdera energia com Samira e sentia fome.

Tícia estava no trabalho, era contadora e chegava só no início da noite. Robert trabalhava a noite e ficava o dia todo com a mãe. Estavam cultivando uma horta no fundo do quintal e seu irmão só tinha esse assunto, no momento, mal Ícaro pegou o pão preparado pela mãe, ele o puxou para o fundo do quintal para lhe mostrar as hortaliças que estavam crescendo.

A casa dos pais era estilo antigo e os filhos nasceram ali, Robert tinha trinta e dois anos e Ícaro vinte e sete. Os pais compraram a casa quando os lotes eram enormes e bem baratos, sendo assim, o valor aumentou com o passar dos anos e o bairro evoluiu muito. Era um bairro relativamente bem valorizado, com terrenos imensos, para a alegria dos irmãos que cresceram ali.

Quatro árvores frutíferas ao fundo, lembranças de épocas felizes em que brincavam de esconde-esconde, de bola e o que mais a imaginação permitisse, já que espaço era o que não lhes faltava.

Ícaro olhou para o abacateiro centenário e que dava frutos todos os anos. Cerca de cinco metros acima, nos fortes galhos, a casinha na árvore  que o pai construíra há tantos anos continuava tão forte quanto sempre estivera. Quantas noites Robert e ele passaram ali, adoravam dormir na casinha da árvore, levavam comilanças para dias para passarem apenas uma noite e por vezes mal ficavam lá por duas horas e voltavam para dentro antes mesmo dos pais terem se retirado para dormirem.

As tábuas entrelaçadas entre os troncos e que faziam as vezes de piso, eram de madeira forte e suportava os anos.

A jabuticabeira bem podada, era mais velha que ele e o irmão e nunca parou de dar frutos.

Ícaro admirou a horta que o irmão e a mãe estavam cultivando ali e o ajudou a retirar ervas daninhas. Acabou por dormir na casa da mãe naquela noite, imaginando o que faria com os dias ociosos que tinha à frente.

Deitado no seu quarto de infância, que já sofrera diversas mudanças, ligou a tevê e se recostou na cabeceira da cama. Nada na programação lhe chamou a atenção, então ele ficou a se lembrar da advogada turrona, Lara. Óbvio que ele sabia que tinha passado dos limites e agiu sem pensar, mas não se arrependia do ato, pois só assim pôde conhecê-la.

Não se lembrava de ter conhecido uma mulher tão durona, Lara tinha uma expressão de estar sempre pronta a lutar pelo que acreditava e isso, ele acreditava, nem se devia à sua profissão.

Ícaro tinha uma ótima memória e, quando ela passou seu número de celular para Lucius e Nadja, ele o guardou na mente, agora aproveitou para salvá-lo em seu próprio celular.

Tinha noção também de que ela o odiara e o achara prepotente. O pedido de desculpas dele não deveria ter sido o suficiente, já que ela mal se despediu dele, sentindo-se aliviada quando ele a deixou no seu trabalho. Repensando tudo, sim, ele foi um babaca total com ela. Onde estava com a cabeça de a agredir verbalmente como fizera? Nem adiantava pensar que talvez sua grosseria se desse pelo fato de ter atendido há dois dias uma senhora de oitenta anos que estava caída em sua casa com o fêmur quebrado há dois dias. A negligência dos filhos o deixara enojado. Quase diariamente ele atendia casos de abusos contra crianças e idosos e nunca se acostumaria com isso.

Ele ficava meio cego ao ver esse tipo de situação e não era a primeira vez que Nadja o chamava a atenção e ele tentava se controlar.

Quase perdera o emprego e a licença como enfermeiro socorrista ano passado após agredir um filho bêbado que espancara a avó. Se arrependia de não ter esperado a polícia chegar para conter o bebum e ele mesmo o ter contido. Sim, não devia ter usado tanta força e ele nunca antes tinha agredido ninguém em toda sua vida, nem na época escolar, era totalmente contra agressão.

Mas naquele dia ele viu tudo vermelho e até a polícia chegar, ele soltara sua ira no embriagado. Não entendia como não havia sido processado, talvez porque a idosa agredida não tenha resistido aos ferimentos, o neto resolvera não abrir um processo. Ainda lhe doía e ele trincava os dentes quando se lembrava de que o neto agressor estava livre, segundo ele, foi apenas um acidente.

Esse era o seu ponto fraco:injustiças com indefesos.

Mesmo sabendo que não devia, ele mandou uma mensagem para Lara:

" Olá, Lara. Espero que já tenha passado sua ira."

O Socorrista ÍcaroOnde histórias criam vida. Descubra agora