Capítulo 4

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— Entende que ele pode perder o emprego por conta disso, não é? – A pergunta da assistente social, saiu como que um pedido. Um pedido para que Lara não fizesse isso.

— Ele é meio esquentadinho, não?

— Não era, na verdade. Ícaro sempre foi um dos melhores funcionários daqui, sabe. Aconteceram coisas, e eu nem poderia estar te contando isso, pois é interno, acontecimentos internos que mexeram com a cabeça dele.

— Eu entendo. Fique tranquila, não vou abrir uma ocorrência contra ele, nem nada disso. Só perdi algumas horas de trabalho e para te falar a verdade, eu poderia tê-lo avisado que não tinha nenhum parentesco com a senhora Mirtes, mas me deixei levar, fui até cruel com ele – Lara falou sorrindo.

— Não sabe como me conforta saber disso, digo, que não vai levar adiante e, bem, que tenha sido cruel com ele – Nadja confidenciou e as duas sorriram.

— Bem, vou indo, então. Vou procurar onde está sendo atendida a senhora Mirtes e ver se ela precisa de algo.

— Posso lhe pagar um café depois?

— Eu adoraria, Nadja. Estava comprando um quando a senhora passou mal e a socorri. Não tive tempo de tomar um em casa.

— Fechado. Me encontro com você daqui a pouco. Quer que eu chame o Ícaro para que você desforre? – O olhar de Nadja estava conspiratório. – Ele deve estar esperando ansioso lá fora.

— Não. Acordei malvada hoje, prefiro deixá-lo se corroer quando souber por você. – Lara piscou e saiu pela porta. Como a assistente social disse, ele estava ao lado da porta e realmente ansioso para ver a punição que ela levaria por abandonar a mãe idosa na rua passando mal.

— Já está indo? – Ele perguntou, segurando a porta para entrar e falar com Nadja.

— Sim, como já te disse antes, não posso ficar aqui perdendo meu precioso tempo.

Ela deu uma piscada malvada para ele e saiu rebolando, feliz ao ouvir os resmungos dele.

Lara foi informada na recepção que a senhora Mirtes estava na observação sendo hidratada por soro e medicações para normalizar sua glicose, e encaminhou-se para lá.

— Oi, a senhora está se sentindo melhor? – Perguntou, sentando-se ao lado da senhorinha.

— Estou sim, graças a você. Estou tomando soro e me sinto ótima – a idosa sorria e colocou uma mão enrugada sobre a de Lara. Ao seu lado, um senhor de uns cinquenta anos, segurava a outra mão da senhora. – Esse é meu filho Lucios, ele acabou de chegar.

A senhora os apresentou e o homem parecia genuinamente preocupado. Convidou Lara para irem ao corredor para conversarem.

— Olha, nem sei como agradecê-la o suficiente por ter ajudado minha mãe. Me sinto péssimo por ter acontecido isso.

— Tudo bem, Lucios, sei que faria o mesmo em meu lugar – ela não sabia se ele faria, nem o conhecia e, a julgar por como a mãe dele estava sozinha e passou mal na rua, ele não devia ser um bom filho. Mas os olhos calorosos dele, mostrava uma preocupação e gratidão pela mãe, que deixou Lara sem entender.

— Mamãe está com Mal de Alzheimer. No início ainda e tem sido muito difícil para a gente. Passei a morar com ele há alguns meses e estou sempre de olho, porém hoje ela saiu sem que eu visse e passei horas de angústia como você não tem noção.

Lara se apiedou dele.

— Sinto muito, Lucios, eu não sabia. Ela me pareceu tão lúcida.

— É o início e ela anda meio confusa. Tem outros problemas de saúde, como o diabetes que descontrolou hoje e estamos nos adaptando.

— Lara – Nadja se aproximara e ela nem viu, estava conversando com o filho da senhora Mirtes e nem percebeu que a assistente social havia chegado. – Quando estiver pronta para nosso café.

Lara então a apresentou a Lucios e o convidou para tomarem um café na cafeteria do hospital.

— Deixe que peço a alguém para ficar de olho em sua mãe, Lucios – ofereceu Nadja e após pedir à uma educada enfermeira que ficasse de olho na senhorinha, os três se encaminharam para a cafeteria no segundo andar do hospital.

— Eu precisava de um bom café para me sentir humana – exalou Lara, depois de bebericar a xícara fumegante.

Estavam sentados em uma mesa no canto e vários médicos estavam no local. Era uma grande cafeteria e restaurante, muitos funcionários zanzavam retirando xícaras e limpando as mesas, bem como oferecendo o cardápio para escolherem o que comer. Os zunzunzum de médicos e jargões da medicina, eram ouvidos por todo lado. Lara estava sentada de frente para Nadja e Lucius ao lado.

— Trabalha em quê, Lucius? – Perguntou Nadja, bebericando um capuccino.

— Sou advogado da área cível.

— Que legal, estou cursando advocacia, fazendo estágio em uma empresa – exclamou Lara, animada.

— Meu Deus – Nadja colocou uma mão no rosto.

— Não se preocupe, Nadja, como eu disse antes, não tenho interesse algum em processar o socorrista e nem o hospital. Ainda mais por ele estar fazendo o trabalho dele bem feito. Preocupação nunca é demais, e é até louvável sabermos que existem profissionais que se importam de verdade com os pacientes.

Nadja estava visivelmente aliviada.

— Do que estão falando? – Perguntou Lucios que estava perdido no assunto.

Após elas lhe contarem o mal entendido, ele foi quem ficou preocupado.

— Ele vai querer me processar por negligência – o homem tinha os olhos arregalados.

— Não creio, é claro que vou explicar a ele a condição e doença de sua mãe.

— Eu só tinha ido ao banheiro, foi uns minutos e cadê ela? Entrei em pânico – ele desabafava. – Mas não vai mais acontecer. Dobrarei a atenção de agora em diante. A pobrezinha desmaiou, poderia ter acontecido algo pior.

As duas tentavam acalmá-lo e dar-lhe dicas de profissionais que podiam auxiliá-lo nos cuidados, quando Lara viu Ícaro entrar na cafeteria.

Não estava mais com um vinco de preocupação lhe cortando a testa, nem tão irritado, mas a imponência dele, era grande. Lara sentiu o ar deixar seus pulmões quando ele encontrou os olhos dela. Parecia que o ar a volta tinha diminuído e ela reparou que uma médica em uma mesa mais próxima à porta, não conseguia tirar os olhos dele. Não a culpava, o magnetismo dele era inevitável e ele chamava atenção, e parecia nem se dar conta disso.

E lá vinha ele, para o rumo dela. Lara segurou a xícara com as duas mãos, sabia que estava trêmula. Não podia esquecer de perguntar à Nadja sobre ginecologistas e terapeutas antes de sair. Ela só podia não estar bem, para deixar um homem mexer com ela dessa maneira.

O Socorrista ÍcaroOnde histórias criam vida. Descubra agora