Sold Soul

. nonagésimo .

▼.  «Not even a landslide, or riptide, could take it all away»-OnceInALifeTime.

" Bom dia, bebé " Desejei debruçando-me sobre o seu corpo estendido. Os meus lábios beijaram os seus num toque suave mas sentimental como um raio. " O teu lábio está melhor " Sorri-lhe, afetadamente, ao correr o inferior com o meu indicador.

Os seus olhos brilharam para mim, contra a minha presença e era, certamente, uma das melhores paisagens que poderia encontrar. Ainda estava na mesma cama, contudo, num diferente quarto povoado por mais três camas e, portanto, por mais três pessoas e seus acompanhantes. A ala não tinha um nome ou algo que a definisse facilmente e sem quaisquer tabus, apenas uma discrição degradante e altamente deprimente: Incógnita. E os últimos quatro dias tinham reforçado essa discrição melancólica e soturna. Perguntei-lhe como se sentia fisicamente.

" As dores acabaram, parcialmente, tenho uma réstia de sedativo a correr o meu corpo " 

Disse-o lenta e amorosamente enquanto me perseguia com o seu olhar negro. Entreabri as pálidas persianas que escondiam qualquer feixe de luz para que o seu recanto se preenchesse de esperança. Essa era a forma subjacente à luz, a esperança. Encontrei-a com um dos seus sorrisos, o preguiçoso ensonado e, continuando na ignorância do porquê de tanto a amar, correspondi ao seu sorriso inebriante e fundo. Alegrava-me encontra-la risonha, alegrava-me encontra-la, na realidade!

Trespassei as suas bochechas rechonchudas com a extremidade dos meus dedos. As palmas das minhas mãos reconheceram a sua face e os meus enormes dedos correram os seus fios, deliciaram-se com o seu quente couro cabeludo.

" Quero levar-te até ao jardim, está a nevar amor "

Acreditava que se a retira-se, mesmo que por poucos minutos, do interior de todas estas paredes constituídas por tijolos, cimento e gritos ensurdecedores de pacientes anteriores, recuperaria uma réstia de aspiração pela vida. Conheci-a livre, embora entristecida, e o seu estado de espírito refletia-se tendo como por base o meio em que se encontrava. Então, o hospital certamente sugar-lhe-ia cada pedaço de força e garra.

O volume das suas bochechas aumentaram com o sorriso ternurento que me mostrou antes de se pronunciar: " posso sair daqui? "

A pergunta não tinha uma resposta positiva e eu não poderia mentir-lhe. Disse-lhe que não era definitivo mas que poderia tornar-se repetitivo durante a estadia na instituição. O seu sorriso não desvaneceu. No entanto, tornou-se forçado e apenas visível pela vontade momentânea de me alegrar ligeiramente.

Não existiriam obstáculos pelos médicos. Seria só um passeio até ao jardim, longe destas paredes preenchidas de sofrimento. Seria apenas um simples passeio mas com um enorme objetivo.

Foi simples e rápido depois de conseguir alguma ajuda da enfermeira. Foi necessário retirar cada fio, tubo de alimentação, e proteção. No final, eu tinha-a, nos meus braços, sem qualquer plástico a si ligado. Apenas o soro no seu suporte amovível nos iria seguir e a imagem era tão deliciosamente animadora que, por breves e míseros segundos, permiti-me a mim mesmo um suspiro que repelia cada preocupação e angustia pelo seu estado de saúde. Ouvi a sua gargalhada brotar contra o meu pescoço. Ela era tímida e pequena mas tão bem vinda.

Coloquei-a sobre uma das três cadeiras de rodas disponíveis por divisão antes de iniciar a nossa jornada. O meu casaco cobria o seu tronco, não importava que tivesse o seu cobertor da sorte, eu iria continuar a achar que estaria demasiado frio para o seu frágil ser magnifico. Era como se, a cada passo que eu dava, ela temesse o reencontro com o exterior. O seu corpo recuava contra a cadeira e os seus olhos piscavam repetitivamente. Ela elevou a sua face quando paramos diante das portas traseiras do hospital. Eu próprio temia o futuro próximo. De cada vez que a reencontrava, de cada vez que lhe proclamava o meu amor absurdo por toda ela, de cada vez que a elogiava, poderia ser a ultima vez, o ultimo momento e por consequente, a nossa despedida e eu estava a perder-me nesse mar de incógnitas povoado por essas mesmas e ainda monstros do passado que se autodenominavam de medo.