Capítulo 1

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Uma das blusas recém lavadas de Sarada voou com a força do vento trazido pelo outono, enquanto estendia as peças úmidas no varal. Um mal tempo chegaria com certeza, no fim de tarde com aquela ventania pela cidade inteira.

Atravessou a pequena cerca que delimitava a casa e olhando para os lados para checar se não havia nenhum fofoqueiro de plantão, correu atrás da peça que a essa altura havia parado e se enroscado em uma das caixas de correio de uma casa ao lado. Deu um pulo ao ouvir sons agudos, se dando conta de algumas crianças correndo, com faixas ninjas feitas de papel nas cabeças. Sorriu ao visualizar esse tipo de cena, o tempo em Konoha não estava muito favorável para os treinamentos, porém isso não impedia a criatividade dos pequenos por sua sede de desenvolvimento de suas habilidades ninjas. Foi inevitável lembrar de si mesma naquela mesma tenra idade das crianças, quando decidiu se tornar uma shinobi. Com a blusa de Sarada em mãos, também se lembrou do dia em que a mesma deu seu veredito de que queria ser uma ninja, quando Sakura a pegou olhando para uma foto de seu progenitor.

Analisou todo o comprimento da peça, percebendo que precisaria de uma nova lavagem. Resignada, simplesmente entrou em casa e deixou a blusa ao lado da lavanderia, deixaria essa tarefa para depois, afinal a blusa vermelha de Sarada se tornara sua segunda pele, de tanto que ela usava. Os últimos raios de sol do dia entravam pela janela grande da sala de jantar e iluminavam a mesa redonda de quatro lugares, embora duas cadeiras eram utilizadas apenas para pendurar agasalhos ou abrigar a mochila de Sarada. Em cima, os biscoitos preferidos da mesma ainda cheiravam frescos em uma pilha.

Pela hora combinada, ela já deveria estar em casa, porém, Sakura tinha uma tolerância muito impressionante para alguém que criou uma menina sozinha durante dez anos. Nunca fora muito paranoica, apesar de inegavelmente superprotetora, sabia que todos os seus receios tinham apenas um nome e sobrenome e não as adversidades do mundo ninja intrínsecas ao que o futuro sempre os oferecia. Porque mesmo tendo completado recentemente treze anos de idade, Sarada dominou seu sharingan de forma surpreendente e tirava as melhores notas da academia. Seu coração inchava de orgulho mas nada pode substituir a paz que é saber o tempo inteiro que seu filho está bem, não podia negar, mesmo que isso fosse humanamente impossível. Quando Sarada era menor tentava ao máximo não parecer patética e ir ao escritório do hokage pedir um favor pessoal para que o amigo vigiasse a pequena com um de seus clones. Mesmo confiando de olhos fechados em Sarada, no fundo, não conseguia deixar de evitar o receio de que ele decidisse voltar e de alguma forma se aproximar dela. Também tinha de admitir que era difícil não depositar suas inseguranças causadas por momentos do passado pesarem em seu julgamento.

Mesmo que ainda não possua pareo para certas coisas, no fundo, sempre há um receio que a ambição da garota tome sua razão, como viu de perto acontecer com o homem que a gerou. Apesar de esforçada e teimosa, como ela mesma, pôde ensinar Sarada a ser inteligente e não prepotente. Não foi fácil, mas tudo o que ela é hoje é resultado do que Sakura não fora, simplesmente porque não queria que sua filha cometa os mesmos erros, e desconfiava que a criança parecia compreender mais do que Sakura imaginava. Tentava não ser controladora demais, invasiva demais, mesmo que no fundo, sua vontade era que Sarada continuasse com seus cinco anos para sempre dentro de uma bolha que somente Sakura teria acesso, e não deixaria que nada a fizesse mal. Porém tirando aspectos físicos, as duas eram muito parecidas, precisava reconhecer. Sarada era impetuosa, mas apesar disso, a garota parecia conectada ao seu propósito e a quem ela é e quer ser. Era muito focada em seus treinamentos e em seu desenvolvimento.

Talvez, se Sakura houvesse feito a mesma coisa, não teria passado por certos momentos. Mas bem, ao mesmo tempo, não teria sua querida filha, o que lhe amargava o estômago só de pensar. Balançou a cabeça para afastar esses pensamentos e roubou um biscoito com gotas de chocolate da pilha do cesto, sentando-se a mesa. Ao colocar o biscoito na boca, observou o esmalte desgastado das unhas. Sempre fora vaidosa mas tinha semanas que simplesmente não dava conta de tudo, principalmente devido aos plantões no hospital. Tentava não se sentir péssima, já que fazia tudo sozinha, mas dar conta era exatamente o que ela fazia de melhor durante todos esses anos, e quando não o fazia, ficava frustrada.
Suspirando, encostou suavemente a cabeça em seus braços e mal perceberia que adormeceu sob a mesa, se Sarada não encostasse suas pequenas e delicadas mãos em seus ombros, balançando-lhe levemente.
- Mamãe. - sua voz anasalada chamou bem perto.
- Ah, olá querida. - cumprimentou-a bocejando. Seu sorriso terno se desfaz rapidamente quando de repente se lembra de um ponto. - Sarada. Onde você esteve?
- Mamãe, estou atrasada 15 minutos. - inflou as bochechas, revirandos os olhos negros.
- 15 minutos depois do horário que estipulei. Sabe que não tolero atrasos. - não se considerava rígida com a menina, porém detestava atrasos para qualquer que fosse a ocasião. Decidiu ignorar a revirada de olhos herdada do consagrado.
- Tudo bem, estava com Mitsuki e Boruto. Boruto quis ir comer lámen. - de repente pareceu lembrar-se de algo e suas bochechas coraram - O sétimo estava lá e até pagou nossa comida...desculpe por ter jantado...- lamentou olhando para baixo com as mãos para trás.
Onde ela aprendeu isso?
- Tudo bem. - suspirou derrotada - e então, como foi o treinamento?
- Foi demais! - seu semblante voltou a se iluminar e seus olhos ficaram maiores, parecidos com os seus. - Fizemos revesamento e eu acabei com Mitsuki e Boruto em uma rodada! Só estou tendo dificuldade ainda de utilizar meu sharingan por muito tempo...eu li alguns livros na biblioteca da academia, mas seria muito melhor treinar com alguém que também tivesse...- seus olhos adquiriram um tom mais escuro e Sakura enrijeceu.

Era a segunda vez que entravam naquele assunto. Seu sharingan e a genética que o acompanhava. Apesar de saber algumas coisas, Sakura sentia em não poder ajudar a menina em relação a seus olhos. Além do mais, duvidava que fosse conseguir, dado que na última vez que viu Sarada ativa-los, sentiu um arrepio correr por sua espinha. Sabia que o sharingan, kekkei genkai inerente aos herdeiros do clã Uchiha, só era despertado de uma forma. A não ser que...e de repente uma luz no fim do túnel lhe ocorreu.
- Olha...na verdade eu conheço alguém que pode te dar alguma ajuda. Kakashi-sensei - sugeriu - Posso falar com ele.
- Ah sim, claro...- desviou os olhos. Aquilo era decepção?
Tentando não ler os pensamentos de sua filha por mais explícitos que lhes era, apontou para a cesta a sua frente.
- Seus biscoitos esfriaram. Mas imagino que esteja cheia. Leve alguns para seus amigos e Naruto, como agradecimento pelo jantar, amanhã.
- Ah sim! - sorriu quando a mesma roubou um biscoito do cesto sentando-se a sua frente. - O sétimo foi muito gentil. Ele é tão legal mamãe! - seus olhinhos brilharam de uma forma adorável.

Nunca conseguia evitar torcer o nariz e conter o sorrisinho irônico de frente a imagem faraônica que atribuíam a Naruto. Mesmo que ele seja literalmente um herói do mundo ninja, ainda o via como o fedelho rebelde com aquele jutsu sexy. Por mais que tenham passado por tanta coisa juntos e ela saiba exatamente do porquê todos o tinham como um mártir. Ela mesma admirava o amigo na mesma proporção, mesmo que nunca fosse dizer isso ao mesmo. Ele não precisava de mais de toda aquela bajulação.
- Tá legal, ele é sim. - respondeu rindo
- Mas hoje ele estava meio estranho...

Ergueu uma sobrancelha, se questionando quando uma criança de treze anos havia se tornado tão perceptiva a ponto de notar alguma mudança na conduta de Naruto.

Depois que virou Hokage, mal via o amigo de longa data pois o mesmo se dedicava totalmente a vila e aos deveres do cargo. Mas tinha certeza que algo não mudara, nas poucas vezes que o via ou ia jantar em sua casa: seu sorriso de orelha a orelha sempre estava presente acompanhado de suas falas imbecis e incovenientes. Além disso, Naruto não era do feitio de ser duro por muito tempo mesmo em situações delicadas, o que Sakura secretamente admirava.
- Como assim? - questionou interessada
- Bem, quando chegamos no Ichiraku, ele só nos notou quando Boruto o tocou, estava conversando com um homem bastante estranho. - Sarada entortou os lábios de forma pensativa.
Aguardou que ela continuasse.
- O sétimo estava sério apesar de ter sorrido para nós quando nos viu, mas ao mesmo tempo nervoso. Ele coça a cabeça quando está nervoso.
Agora Sakura estava impressionada. O sharingan conseguia ver além das pessoas?
- É verdade, eu nunca tinha pensado nisso. - concordou levando os olhos para o teto, pensando. - e quem era o homem?
- Ele não disse uma palavra. - tentou encontrar algo em seu rosto que lhe desse tantas respostas quanto a pequena criança tinha, mas se frustrou. - Se vestia totalmente de preto e possui olhos assustadores. E é extremamente pálido. - disse estremecendo.
Em alguma outra ocasião Sakura acharia graça da filha, ou se surpreenderia com tamanha perspicácia da menor. Mas no momento em que seu cérebro começou a montar a imagem do homem descrito em sua cabeça, todo o seu corpo enrijeceu em resposta e sentiu suas mãos gelarem. Fechou os olhos dispersando alguma quantidade de chakra pelo seu corpo para relaxar os músculos. A sombra daquele rosto tomou conta de sua mente e tentou colocar uma barricada contra todos aqueles sentimentos que gostariam de vir a tona. Repreendeu esse tipo de pensamento, afinal, era algo impossível, somente fruto de suas mágoas e desejos mais obscuros.
Sarada lhe olhou impassível, tentando conseguir identificar algo diferente no rosto da mãe e Sakura suspirou.
- Bom, deve ser alguém da equipe ou um viajante de passagem. - tentou controlar sua voz. - De qualquer forma, já que jantou, podemos ver algum filme, o que acha? - sugeriu tentando parecer o mais normal possivel.
- Eu gostaria muito mamãe mas tenho treino cedo amanhã...- resmungou fazendo uma careta adorável.
- Tudo bem. Aprecio seu foco. Amanhã mesmo falarei com Kakashi-sensei, e você poderá tirar todas as suas dúvidas.
- Obrigado mamãe. Oyasuminasai! - sorriu fazendo seus olhos ficarem pequenos, lembrando-lhe do rosto que a assombrara alguns segundos antes.
- Tome seu banho antes! - Observou Sarada se dirigir até a escada e quando ouviu o barulho da porta, soltou os ombros inconscientemente.

Também percebeu que sua respiração estava falha e em frustração bateu a mão no espaço confortável que era sua testa. Isso era totalmente ridículo, pensou. Suas reações exageradas ao relato da filha eram apenas armadilhas emocionais em resposta a todo o embrolho de sentimentos que haviam dentro de si, e ela não negava que os guardava. Mágoa, raiva, frustração, saudade... Apesar de ter um controle expressivamente equilibrado de seu chakra, por muitas vezes invejado pelos colegas de time, isso não se aplicava às suas emoções. Sakura sempre fora muito mais emoção do que razão. Mas apesar disso, pensando racionalmente, era definitivamente impossível que de alguma forma ele estivesse na vila. Depois de todos esses anos, não havia porque temer porque se havia uma coisa que Sasuke Uchiha era bom em fazer era: desaparecer.

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