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CHRISTOPHER UCKERMANN

Nos dias que se seguiram, fiquei bastante ocupado com a elaboração da primeira prova da pós e com as atividades do instituto. Dulce apareceu vez ou outra, durante meu turno, para falar com as crianças e, em todas elas, me cumprimentou de longe, com exceção de uma aula que demos juntos. Foi divertido e eu pensei que as coisas estavam melhores entre a gente, mas me enganei pelo visto.

Sua ausência na universidade também não me passou despercebida. Dulce não foi nenhum dia, além do primeiro, e isso me deixou preocupado e intrigado. Se ela perder a primeira prova e mais uma aula será automaticamente reprovada, e eu não quero ter que reprová-la sabendo que ela tem perfeita capacidade para se dar bem na disciplina.

Fiz várias pesquisas na internet sobre o instituto, nas minhas horas vagas, e descobri que, durante a graduação, Dulce publicou alguns artigos detalhando todo o processo de idealização e implementação do instituto. Li todos e é perceptível o cuidado que ela teve em cada etapa. Dulce levou anos pensando nisso, estudando, planejando e avaliando a melhor forma de colocar em prática.

Fiquei muito orgulhoso por isso e por ver que ela se formou como uma das melhores alunas da turma. Sempre soube que Dulce teria um futuro brilhante, só bastava ela querer. Ela sempre foi inteligente, só era um pouco irresponsável — mas isso podemos culpar a pouca idade. Preciso fazer alguma coisa para que ela não desista da pós, mas não estou seguro do quê.

Me pergunto de qual consequência Dulce estava falando no primeiro dia que nos reencontramos, se fez alguma diferença para ela o fato de eu ter insistido nela no passado, de não ter deixado o reverendo expulsá-la da escola, de não ter deixado ela faltar os dias de serviço voluntário, sem falar de todas as conversas que tivemos e conselhos que lhe dei.

Às vezes eu tinha a sensação de que ela não estava dando a mínima atenção para as histórias que eu contava, que ela não se importava com nada e só queria brincar comigo e com os meus sentimentos, mas talvez eu tenha me enganado.

E se eu nunca tivesse partido? E se eu tivesse ficado e conversado com ela a respeito da conversa que ouvi? O que seria de nós hoje?

Afasto esses pensamentos quando uma das crianças me pede ajuda para apontar o seu lápis de cor e volto toda a minha atenção para as atividades com elas até o final do horário.

Após deixar a caixa de materiais na secretaria, passo em frente a sala de Dulce e percebo que a porta está entreaberta. Hesito um instante, enquanto a espio revirando uns papéis, antes de me aproximar e bater na porta. Ela levanta o olhar para mim, surpresa.

— Desculpa te interromper. Tem um minuto? — pergunto.

— Claro. Pode entrar — ela aponta para o sofá no canto da sala e se levanta, dando a volta na mesa, enquanto eu fecho a porta e me sento ao seu lado — Em que posso te ajudar, Christopher?

— Semana que vem terá a primeira prova da pós.

— Eu sei. Recebi um e-mail da universidade.

— Você não tem ido às aulas. Vai desistir?

— Não, não vou desistir. Só resolvi adiar mais um semestre.

— E por que vai fazer isso? Tudo bem que você perdeu algumas aulas, mas dá para recuperar.

— É só porque eu quero adiar. Agora não é o momento certo — ela não soa muito firme e eu respiro fundo.

— Dulce, eu olhei seu histórico da graduação, li todos os seus artigos publicados e também o projeto que você submeteu para entrar na pós. Você tem grandes planos para o centro e não pode simplesmente jogar tudo para o alto porque está com medo de arriscar. Saiba que não existe ninguém melhor do que você para dirigir esse lugar. Você fez um excelente trabalho aqui e não pode parar agora.

Dulce fica estática me encarando. Seus olhos brilham pelo acúmulo de algumas lágrimas e ela os pisca repetidas vezes para impedi-las de caírem. A última coisa que quero é vê-la chorando.

— Fala a verdade. Eu sou um péssimo professor e é por isso que você não quer voltar para as aulas, não é? — brinco e ela abre um meio sorriso.

— Você é ótimo! Obrigada por tentar me encorajar, mas não é tão simples. Tem muita coisa na minha cabeça agora.

— Eu entendo. Já passei por isso. É um grande passo que você está dando e é normal ter receio. Sabe uma coisa que sempre me ajudou a clarear as ideias em momentos assim? — ela nega com a cabeça — Escrever. Você poderia tentar — lembrei que deixei um caderno de presente para Dulce quando fui embora do internato e, de repente, fico ansioso para saber se ela o usou, guardou, jogou fora, queimou ou deu para alguém.

— É, às vezes eu escrevo num caderno. Realmente ajuda.

Balanço a cabeça em concordância e espero ela falar mais alguma coisa, mas ela fica calada. Permanecemos em silêncio por um momento e o clima começa a ficar um pouco estranho. Decido usar isso como uma deixa e me levanto do sofá. Dulce também.

— Bem, te vejo na universidade na próxima semana? — pergunto.

— Não sei, Christopher. Preciso encontrar novos investidores para o centro e...

— Dulce, relaxa. Você vai conseguir. Te vejo na próxima semana — caminho em direção a porta.

— Eu não disse que vou.

— Você falou que vai? Ótimo! — brinco e ela começa a sorrir.

— Tá, tá! Só pra você parar de choramingar. Eu vou — alargo o sorriso e mais uma vez sinto aquele impulso de abraçá-la, mas ao invés disso seguro a maçaneta da porta e olho para ela antes de sair.

— Se precisar, posso revisar as aulas perdidas com você.

— Está tudo bem. Eu me viro.

— Tem certeza? — somente agora me dou conta de que estou arrumando mil e uma desculpas para ficar perto dela.

— Tenho. Vou ficar bem.

— Ok.

— Além do mais, não quero ter privilégios só por ter transado com o professor.

Travei na porta e senti meu rosto inteiro esquentar. Ela parece não ter dito por mal, seu tom foi leve e divertido, mas logo ela percebeu que foi inapropriado.

— Desculpa. Cedo demais para fazer piadas?

— Algo assim. A gente se vê.

— Até mais!

RedençãoOnde histórias criam vida. Descubra agora