Capítulo 2: O menino com olhos de ametista

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Yakov não imaginava que seu colega de quarto fosse um garoto da sua idade que, aparentemente, havia tomado sol demais. O loiro bronzeado, como resolveu referir-se a ele, estava lendo um livro pequeno e grosso em sua cama, com as costas encostadas na cabeceira. Foi recebido com uma cara de espanto e não sabia se fora porque abriu a porta repentinamente sem bater ou se era sua aparência tenebrosa.

De qualquer forma, ele não se importava. Não era como se quisesse causar uma boa impressão em alguém que ele não tinha um pingo de interesse em conhecer. O quarto havia sido só seu por nove anos e planejava viver como se ainda fosse, ignorando totalmente a presença do outro, como já havia pensado no momento que foi avisado que teria companhia nos próximos indeterminados dias. Yakov tinha odiado essa ideia. Não queria companhia, não queria um colega de quarto, não queria ter que interagir com alguém e muito menos conviver. Estava acostumado consigo mesmo e sempre havia sido assim. "É difícil demais lidar com gente", uma vez escutou de um colega da sua aula de pintura e concordava plenamente.

Do mesmo modo que Gibril tinha quebrado todas as expectativas que Yakov tinha sobre ele, aconteceu a mesma coisa com Gibril. O garoto que acabava de entrar estava um caos, para simplificar. O cabelo chocolate ondulado estava úmido e emaranhado; um curativo aqui e ali era visto no pouco que sua pele mostrava pela roupa molhada do que, provavelmente, era chuva; Gibril reparou também que havia um rasgo na lateral da camisa suja com um pouco de terra e que o pulso direito estava enfaixado. Esperava que não estivesse o encarando demais, não queria parecer mal educado logo no primeiro encontro com seu colega. Sua mãe ensinara que olhar fixamente para estranhos por muito tempo era desrespeitoso.

Para sua sorte, Yakov não o olhou diretamente, então não deve ter reparado que o violinista estava analisando-o secretamente. Ele queria poder ver o rosto de Yakov, mas o mesmo andava cabisbaixo, como se evitasse o seu olhar propositalmente. Gibril imaginava que o outro não desejava ser visto naquelas condições, portanto, voltou a ler seus poemas simbolistas.

Yakov sentia os olhos do loiro bronzeado mirando-o fixamente e sua pele arrepiava de desconforto. Ele queria sumir de uma vez por todas naquele momento. Se questionava se o outro não tinha o bom senso de que encarar os outros, principalmente se eles pareciam ter saído de uma batalha, era falta de educação. Resolveu deixar sua bolsa em um canto perto da cama, vendo os objetos se espalharem no chão por tê-la jogado e ignorando seu estado que o deixaria triste posteriormente por estarem quebrados.

Ele deu uma olhada por sua franja que caía em seus olhos e viu que seu colega havia voltado a ler. Agradecendo aos céus pelo pequeno momento de privacidade, abriu a porta do guarda-roupa e arranjou algo que usaria como pijama. A porta lhe serviu como biombo enquanto trocava de roupa, sem se importar tanto assim se o outro estava vendo-o sem vestimentas. Estava cansado demais para se preocupar com vergonha ou sentimentos semelhantes, ou onde colocar a roupa que depois teria que pedir para Mei costurar (que acabou deixando no chão mesmo), ou tomar um banho, o que ele definitivamente precisava. Mas isso podia ficar para amanhã. Yakov só queria desaparecer para o mundo onírico o mais rápido o possível, só para esquecer que vivia na Terra. Ele amava um escapismo.

Sendo assim, ele deitou na sua cama e virou para o lado da janela, enrolando-se em posição fetal, sem se cobrir. Ele escutou o outro se mexer um pouco, provavelmente estava encarando-o novamente. A situação era pior do que imaginava. Conviveria com um esquisito que ficava olhando os outros dormirem. Que pesadelo.

Já Gibril queria se bater mentalmente por de novo ter fitado Yakov, que deveria achar que ele era algum tipo de psicopata a esse ponto. Evitando causar mais alguma má impressão - se tivesse como ainda, porque tinha certeza que já havia sujado completamente a imagem que o outro tinha dele - ele resolveu dormir também, mesmo não estando com sono. A luz acesa talvez atrapalhasse o garoto a dormir e tudo o que menos queria nesse momento era perturbá-lo ainda mais. Dessa forma, fechou o livro, o colocou na escrivaninha cuidadosamente e apagou as luzes, esperando não estar fazendo tanto barulho.

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