Capítulo 11: O canto e o conto dos mares

178 17 6
                                    

Uma aranha no teto, o futuro almoço de Tixa (ou Lagar, quem a encontrasse primeiro), foi o que os olhos incomodados pela luz diurna de Gibril viram. Não lembrava como havia caído no sono, porém sentia que tinha dado uma viagem no tempo. Por que tudo estava tão claro mesmo com cortinas? Era manhã? Era tarde?

Perdido, ele olhou para seu lado esquerdo e as costas de Yakov o encararam. O braço de Gibril estava esticado na direção dele, lembrança da grande movimentação que fazia enquanto dormia. O pintor suspirava profundamente, imerso no que quer que estivesse sonhando em sua posição fetal.

Após muito devanear mirando o quarto banhado em dourado, o poeta arrumou uma caneta e o papel do soneto inacabado em silêncio (ou o melhor que podia fazer no momento) e dirigiu-se para fora. Envolto pelo calor úmido e a luz quente do dia, ele caminhou para ver o que não se pôde ontem pela noite. O Hotel Harmônica era envolto por verde. Era uma pena a noite ter coberto de escuridão um lugar tão lindo. Plantas tropicais - coqueiros, palmeiras, alpínias, antúrios, aves-do-paraíso, bananeiras, bromélias, costelas-de-adão, helicônias, hibiscos vermelhos, laranjas e rosas, orquídeas de tipos diversos e samambaias - compunham uma seleção de cores vibrantes e calorosas. O lugar era um pedaço do Paraíso, embora localizado em um meio tão esquisito como era aquela Rua Soporífica. Ao passar pela vegetação, sentiu que até a temperatura era mais fresca e o ar mais fácil de se respirar.

O formato das plantas era curioso. Umas com folhas tão lisas e lustrosas e outras largas e abertas, principalmente a costela-de-adão. O nome fazia jus à aparência, ele pensou. As cores também eram impressionantes. Esperava-se que folhas fossem verdes, contudo, algumas tinham contornos em um tom quase branco e estampas. Parecia que alguém tinha ido até ali e pintado-as. A visão de Yakov com um pincel passando pelas plantas era um tanto que estranha na mente de Gibril.

As orquídeas eram outras encantadoras, tão variadas e diversas. Para a memória dos leigos, era uma sorte esse tipo de flor ter um nome só. Se cada uma tivesse um nome específico popular, enlouqueceria metade dos amadores amantes de jardinagem. As que o músico viu com mais frequência eram rosas e brancas e, mesmo assim, não eram iguais em tamanho nem em formato. Baunilha vinha de uma orquídea, porém, se estivesse bem na frente dele, Gibril nunca saberia que essa era a bendita flor dona da fava do aroma delicioso de doces. Era uma pequena orquídea amarela e só isso ele sabia. Entretanto, quantas pequenas orquídeas amarelas existiam ali? Ele jamais encontraria a da baunilha.

A estética do jardim, se assim pudesse ser chamado, era extravagante. Flores chamativas em cores de alerta, principalmente vermelho em qualquer tonalidade, em vistas por onde quer que se olhasse. Manoel o havia contado que essas cores ajudavam a atrair insetos e outros agentes polinizadores como pessoas atraídas por quadros grandiosos. De fato, Gibril avistou muitas borboletas elegantes e policromáticas, dançando com o vento, tais como dançarinos em quadrilhas com fitas, e, às vezes, vindo cumprimentá-lo com um descanso em seu braço. Além disso, as famigeradas joaninhas da conversa da madrugada anterior também apareciam e usavam o corpo de Gibril como um ponto de pausa. O poeta se divertiu colocando-as gentilmente em folhas para que pudessem continuar suas vidas sem que fossem acidentalmente esmagadas por ele.

"Yasha poderia fazer um bom estudo de natureza aqui" - Gibril pensou enquanto circulava pelas folhagens e insetos fofos.

O passeio estava interessante, mas teria que sofrer uma pausa para o violinista fazer sua rotina diária. Quando terminada, ele voltou a se perder na pequena mata do hotel. Sem muito andar, encontrou um banco branco em meio às folhas das bananeiras. Sentou-se ali e mirou sem pressa as flores dos hibiscos à sua frente. Se pudesse decorar seus mínimos detalhes, dedicaria futuramente um poema a elas. Hibiscos de musas poderia ser uma inovação nas composições dos estudantes da Academia. Cinco pétalas grandes, finas e delicadas, uma haste com pontinhos amarelos, pólen, ele supôs (botânica não era uma área de grande conhecimento dele, Manoel deveria saber melhor o nome dessas estruturas) e folhas brilhantes. As flores que o encaravam eram um vermelho tão profundo que confundiam sutilmente os olhos de Gibril. Uma vez, ele ouviu sobre um chá de hibisco na Cantina Etérea, de cor rosa avermelhado, porém não deveria ser da mesma planta a sua frente. Se fosse, com certeza teria encontrado umas pétalas na pia da cozinha do Casarão do Ipê Amarelo. Mei amava chás.

Belas ArtesOnde histórias criam vida. Descubra agora