Capítulo 5: Uma harmonia clandestina

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Nas semanas que se seguiram, Yakov e Gibril testaram e experimentaram as maravilhas que o Prisma proporcionava. Nove experimentos foram feitos desde então. Todos eram similares, consistindo em trazer elementos dos desenhos de Yakov para a realidade, tais como roupas, mais comida, flores, objetos e até animais pequenos. Foi uma surpresa para ambos terem um camundongo cinzento (cujo nome era Platinum) de estimação por três dias até que ele fugiu por debaixo da porta e não foi mais visto, deixando Gibril entristecido. Pelo menos, Yakov prometera desenhar muitos camundongos para alegrar o amigo. Então, por algumas vezes, traziam os bichinhos para brincarem com o músico por um tempo e depois os devolviam para a pintura, evitando fugirem e assustarem o resto dos estudantes pelo corredor.

Descobriram que para poder trazer os elementos dos quadros, era necessário que fossem menores que o tamanho da folha. Mesmo que no desenho fossem menores do que na realidade, acabavam tornando-se do tamanho original que teriam. Assim, quando foram pegar um balde vermelho de um dos estudos do pintor, a alça do objeto mal passou para o plano exterior do Caderninho.

Os experimentos fizeram Yakov ter que praticar diversos estudos dos mais aleatórios temas. Ele percebeu que sentia um gosto por desenhar roupas elegantes e trajes de gala. Dessa forma, os dois amigos conseguiam roupas que nunca imaginariam usar e muito menos comprar. Camisas, jaquetas, coletes e calças dos mais variados tecidos, texturas e cores exploravam as habilidades artísticas e de moda de Yakov. Obviamente, eles não usavam essas roupas na Academia, mas era divertido ter sempre um bom e estiloso guarda-roupa.

Comidas e bebidas preenchiam também as páginas do Caderninho. A cozinha do Casarão do Ipê Amarelo ficou sem ser furtada um dia ou outro. O pintor amava desenhar doces e sobremesas, degustando-as quase diariamente, e constantemente recebendo comentários de Gibril.

- Yasha, você não pode comer tanto doce. "Vai te fazer mal", já dizia a minha mãe.

Yakov sabia que ele estava certo, pois escutava, às vezes, sua própria mãe falar isso, quando ela não o batia para que tirasse as mãos do pote de bombons que havia na cozinha.

Então, Yakov desenhava bebidas frias e sorvetes, alegrando os quentes dias da primavera. Era raridade sair e comprar um sorvete e ambos só haviam tomado em circunstâncias esporádicas. Nesses dias, batiam na porta do quarto de Manoel ou o procuravam pela Academia para oferecê-lo a sobremesa incomum. O naturalista não perguntava como haviam conseguido comprá-la, o que era um alívio para os outros dois, e comia feliz. Eram nesses momentos que ele parecia uma criança, com sua altura a favor e o rosto jovial.

No décimo experimento, Yakov surgiu no quarto segurando uma tela, cuja altura batia em seu pescoço. Gibril não conseguia ver o que estava pintada nela, já que a frente estava virada para o pintor.

- Hoje é o dia do experimento mais arriscado. Trouxe essa beldade aqui - Yakov girou a tela de modo que a frente agora mirasse o músico e a apoiou na parede, perto da cama do amigo.

Levantando-se de onde estava, Gibril foi ver o que Yakov trouxera.

Era uma pintura vertical. Não havia nenhuma moldura ou paspatur, somente a tela. Uma cidade estava representada, mais precisamente, um mercado. Havia barracas de ambos os lados e o caminho para elas era centralizado, exibindo os mercadores, comerciantes, clientes e as mercadorias. O número maior de mulheres e crianças era desproporcional ao de homens, nitidamente proposital.

Gibril achou que o estilo de pintura se assemelhava ao do impressionismo, com pinceladas corridas, livres, sem muito pensar, porém perfeitas para dar contorno e criar as formas e silhuetas dos elementos. No canto inferior esquerdo, havia Y. Mattisea assinado, em uma letra bem apressada e quase ilegível.

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