Capítulo 7: O caminho das lavandas

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O bendito domingo havia chegado. O despertador tocara às 05:30, tão cedo que os olhos de Yakov quase não puderam ser abertos. Gibril, diferentemente do amigo, colocou-se de pé em instantes e desligou o relógio. A primeira coisa que Yakov viu naquela manhã ensolarada foi o violinista, vívido e cheio de energia, chacoalhando o ombro do pintor para certificar-se de acordá-lo.

Eles ainda tinham tempo para sair da Academia, mas concordaram na véspera que o quanto antes, melhor. Sendo assim, foram fazer suas atividades rotineiras e vestirem roupas um pouco mais sofisticadas, tendo em vista que estavam indo para a casa da Família Mattisea e, pelo o que Yakov contara, era sempre elegante. Gibril vestiu um blazer ocre por cima do colete de mesma cor, o que não costumava usar nem para as aulas; às vezes, nem usava o colete, somente uma camisa branca e calças. Parecia o próprio desleixo se comparado aos seus colegas. Yakov já tinha um senso de moda um tanto mais apurado que o do poeta, então era mais comum vê-lo com um colete e, mais frequentemente, com um blazer. Hoje era um lilás escuro acinzentado, presente de sua mãe.

Consultaram uma última vez o quarto para garantirem não terem esquecido de pegar nada. O pintor já revisara cinco vezes sua pasta tipo carteiro se o quadro da galeria - que ele batizou de "Seção Pluvial da Nébula" - o Prisma e o Caderninho do Lírio Branco estavam lá dentro. Sempre estavam. No quarto, só ficou o que não necessitavam levar. Gibril aguardava na porta, segurando a sua mala em uma mão e a sacola de pano de Yakov no outro ombro.

- Tudo certo? - ele perguntou.

Yakov concordou com a cabeça, ainda apreensivo. Esse sentimento nunca o deixava quando tinha que prestar atenção para não esquecer ou errar nada. Sempre ficava inseguro. Contudo, havia outro par de olhos consigo, que também concordaram que tudo estava em ordem.

Desse modo, saíram do quarto da forma mais delicada e sutil possível. Não queriam de nenhuma maneira acordar alguém e, principalmente, ter alguma testemunha da fuga de Gibril. Pelos corredores do dormitório masculino, não passou uma alma e não se escutou um ruído, a não ser dos passos dos dois artistas. O resto do caminho também foi tranquilo, na medida do possível com aquelas dezenas de quadros encarando Gibril e repreendendo-o pela violação de regra. Era uma bênção Isabel e Mei não terem um Prisma, porque o poeta estaria encrencado caso elas usassem as pessoas dos retratos para fofocarem e denunciarem-no. A cozinha estava vazia e ele quase sugeriu tomarem café da manhã antes de partirem, porém percebeu que a ideia seria estúpida, já que fariam barulho de qualquer jeito.

Para a infelicidade deles, encontraram um serzinho que fazia ruídos, miados, e, justamente hoje, Tigresinha parecia extremamente falante. Yakov jurava que desde que conhecera essa gata, ela nunca miou tão alto como fazia agora.

- Shiu, menina, shiu... - ele tentou em vão fazê-la ficar quieta acariciando as costas dela.

Todavia, a gata estava bastante carente nessa manhãzinha de domingo e Gibril questionava se esqueceram de alimentar o bichinho. Gatos geralmente só agradavam por comida ou por saudade, ele achava. Tigresinha miava pelos dois talvez, baseando-se o quão grudenta estava. Em alguns instantes, a calça na canela de ambos estava lotada de pelos cinzas pelas passadas e ziguezagueadas que ela dava, além que ela se jogava nos pés deles.

Encontravam-se já na sala de estar da entrada, a que tinha a marinha com água verde-água de Yakov. A porta para a saída do conforto da Academia e caminho para o Tártaro estava logo a diante deles. Entretanto, era defendida por uma poderosa gata cinza tigrada e carente, que forçava seus inimigos a prestarem cafunés e que miava com toda força de seu ser caso fosse contrariada.

Gibril queria desligar a sua mente por poetizar situações assim.

Yakov olhou um relógio próximo, que marcava um pouco mais de seis horas. Ele sabia que demorariam para chegar na sua casa, que ficava do outro lado da cidade indo a pé. Então, resolveu ignorar os miados escandalosos de Tigresinha e pegou a chave da porta de entrada do bolso de sua calça. No dia anterior, Tia Bel dera a chave a ele, pois já estava ciente que ele sairia antes de ela ou Mei acordarem, e pediu que jogasse o objeto pela janela para o lado de dentro uma vez que já tivesse saído. Sem saber, Isabel já tinha facilitado os planos de fuga de Gibril.

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