Capítulo 8: A Seção Pluvial da Nébula

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A grama úmida por uma recém chuva roçou a bochecha de Gibril. O poeta se levantou da temperatura fria que o prado transmitia a seu corpo, mesmo coberto por um sobretudo preto. As palmas de suas mãos foram molhadas. Ele olhou ao redor e encontrou-se cercado pela imensidão de um campo abraçado por um nevoeiro. Ao lado de seus pés, encontrou um castiçal com uma vela flamejante que, infelizmente, iluminava minimamente o que estava por perto. Tomou o objeto nas mãos e trouxe-o junto ao peito, mantendo uma distância segura para não se queimar.

O céu esbranquiçado aparentava ser o da manhã, bem como poderia ser o do fim de tarde. Era impossível identificar ser um crepúsculo matutino ou um vespertino. Uma pena o azul cerúleo estar coberto pelo nevoeiro. Essa hora era uma das favoritas de Gibril em questão de cores celestes.

A brisa fria envolveu o músico em seus braços. A ponta gelada do nariz foi sentida e, embora não visse, as bochechas foram coradas. Sem muitas delongas, ele andou na direção do nada, infiltrando-se no cobertor branco do prado. Frio e úmido, talvez mais frio pela umidade ou mais úmido pela temperatura, o nevoeiro não tinha prioridade em dá-lo "boas-vindas" calorosas. O vento tocava flauta transversal e, às vezes, assoviada uma melodia perdida no tempo, sempre com um fôlego admirável. A grama molhada ameaçava escorregá-lo caso desse um passo equivocado, como um campo minado. Gibril não entendia como, mesmo de botas e meias grossas, ainda podia sentir a grama identicamente se estivesse descalço.

Assim como um poema simbolista, o lugar era místico e melancólico. O violinista estava confuso e maravilhado com um mundo assim. Um pequeno segredo, uma pradaria onde a localização desconhecida deixava-o animado para explorá-la. Estava também incrivelmente calmo e tranquilo, mas talvez graças ao sono que ainda circulava sua mente e inibia seus sentidos, além dos pensamentos lógicos e racionais.

Não foi necessário caminhar muito para ouvir uma voz familiar ao seu lado. A sensação de estar sendo seguido o havia acompanhado já por uma certa distância. Contudo, não era perturbadora ou sinistra. Similar a ter um cão ou criança curiosos brincando por perto. Assim, agora, seu seguidor se fez presente. Agasalhado em um sobretudo branco, Yakov mirou com um calmo sorriso o amigo ao seu lado. Suas mãos estavam escondidas no bolso da roupa, sem estar segurando um castiçal também, como Gibril achou que estaria. Se o céu banhado em cerúleo e violeta recentemente acrescentado pudessem ser vistos, os olhos de Yakov estariam combinando com o lugar. Entretanto, assim como a abóbada celeste, Gibril via o pintor embaçado e esbranquiçado. As feições dele não apresentavam estar pintadas por quatro pontinhos escuros, porém o rubro das bochechas era notório. O brilho das ametistas não era tão fácil de ser encontrado no momento.

- Onde estamos? - perguntou Gibril. 

Uma nuvenzinha de vapor saiu de sua boca graças a baixa temperatura que os cercava. Ele só havia escutado relatos que isso acontecia de pessoas que haviam visitado países no inverno europeu. Onde ele morava era muito quente mesmo no inverno, então foi surpreendido pelo fenômeno.

- Utopia - foi a única palavra dita por Yakov.

Utopia. Título de livro. Gibril sabia seu significado tão onírico. O nome ecoou na mente dele tal como um sussurro distante.  

O poeta desviou seu olhar do de Yakov e deu uma breve mirada ao redor.

- Onde fica?

- Nos sonhos.

Óbvio que ficava em sonhos. Não poderia ficar em outro lugar. Não havia como estar em outro lugar. Inalcançável e inexistente. O plano surreal era a melhor localização para um lugar assim.

Mais passos foram ouvidos vindo frontalmente junto com o farfalhar de um vestido. A menina com aparência de fada surgiu na frente deles em meio ao nevoeiro, sorrindo. Suas pequenas mãos buscavam o calor nos panos de sua vestimenta lilás.

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