Capítulo 9: A orla do Atlântico

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O quadro a frente de Gibril era uma praia, areia na frente e o mar atrás indo até o horizonte. Não havia nenhum elemento extra; de cima para baixo, somente céu, mar e areia. O poeta sabia que esse era um quadro de autoria do amigo só pelo simples fato da água ser verde-água. O horizonte era azul claro e, em grande parte, limpo, com uma nuvenzinha fraca em um ou dois pontos. Aparentava ser um lugar bom para se passar um tempo muito tranquilo e o poeta queria entrar lá o mais rápido possível.

Ao seu lado, o Prisma tremia graças às mãos de Yakov. Uma janela por perto oferecia a luminosidade mais que perfeita e ideal para formarem o feixe arco-íris. Assim, com um certo esforço (ele estava quase pedindo para Gibril fazer isso por ele) o pintor colocou o objeto contra a luz e as lindas sete cores vieram ao encontro da tela. Em alguns segundos, a superfície não era mais plana. Como se o quadro fosse uma janela aberta, lá estava a bela vista para a praia. Ambos artistas já podiam sentir a brisa fraca amena e salgada em seus rostos. Gibril não conseguia para de sorrir, fascinado.

- Vamos antes que se feche - disse Yakov embrulhando em uma toalha e guardando o Prisma na pasta. Ele só não estava hesitante porque a pressa gritava mais em seu ouvido do que o medo.

O músico encarou o amigo por um instante, sem saber bem o que fazer a seguir. Ele não queria empacar justo quando estavam tão próximos de realizar o plano insano.

- Quer que eu vá primeiro? - Gibril perguntou na esperança do outro tomar a iniciativa.

- Caramba, Gigi! - o tom de Yakov não era bravo, mas ele disse assim por seu nervosismo impedi-lo de filtrar palavras mais agradáveis. - É só ir. Vá sem pensar.

Gibril conseguia escutar si mesmo dizendo algo desse tipo.

O mar a sua frente se movimentava em um vai e vem, como se o convidasse, o chamasse para ir ao seu encontro. Ocorreu tudo bem no Mercado da Rua Flamboiã, por que não ocorreria nesse quadro também? Yakov tinha a pintura da Seção Pluvial, as dos demais itens que precisariam para uma viajem, o Prisma, tudo estava certo. As chances eram mínimas de ficarem presos ali. Contudo, se ficassem, que mal teria? Passar o resto dos seus dias na praia, não soava como uma má ideia. Viver no Paraíso, não era o que as pessoas queriam?

O som fraco das ondas era um sussurro para a tentação, a invitação calma para um novo mundo. A cada segundo que se passava, mais alto o chamado ficava. O dia lá era tão lindo e límpido, perfeito para nadar. Ele jogaria água em Yakov, eles provavelmente quase afogar-se-iam, pisariam em um ouriço, seriam queimados por uma água-viva, teriam insolação, porém fazia parte dessa experiência única. Ninguém iria repreendê-lo, ninguém o impediria de correr até aquela água incomum. Se ele fosse, era uma aventura e, posteriormente, uma história para se ficar na memória. Não acreditariam que ele entrou em um quadro, mas que já foi à praia, sim.

Era só ir.

Então, foi assim que Gibril foi à praia pela primeira vez.

Ele engatinhou para dentro do quadro - já que estava muito baixo e perto do chão para entrar de outra forma - e suas mãos tocaram os grãos de areia, juntamente com seus joelhos cobertos pela calça. Os raios de sol beijaram seu cabelo dourado, abençoaram seus olhos escuros e ele foi abraçado pelo calor do lugar. Para esperar Yakov, ele se moveu para o lado um pouco e sentou de pernas cruzadas, pondo-se a ver a praia.

"Estou vendo o mar" - ele pensou, ainda deslumbrado.

Era surreal, mesmo que fosse uma paisagem mundana. Praias estavam em diversos lugares, porém não eram pintadas e nem com o mar verde-água. Como aqui se chamava? Gibril esqueceu de perguntar o nome do quadro ao amigo. 

A brisa era aconchegante. Ela vinha, acariciava a face dele, esvoaçava o cabelo e as roupas e polvilhava pintadas sutis de sal e areia nos olhos, divertindo-se com as reações desgostosas do poeta. Dessa forma, o aconchego dela virava uma travessura e ela ia embora sem dar despedidas.

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