Capítulo 13: A cartomante com memórias azuis

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Gibril não sabia nem como reagir à cena: pedaços de vidro cobrindo os itens de dentro da bolsa de Yakov como diamantes cortantes. Ele via a toalhinha amassada e amarrotada no canto, claramente sem estar exercendo sua função de embrulhar o Prisma a fim de mantê-lo seguro. Assim, ele lembrou que não guardara o Prisma nela e somente o jogara na pasta sem mais nem menos. Se o Prisma havia espatifado graças ao impacto do corpo de Yakov e do chão era, em grande parte, culpa dele. Gibril havia salvado a vida de Yakov, mas com um custo. O de não poder mais voltar para casa.

Isso o levou a imaginar como sua vida estaria definida a partir de agora. Nunca mais veria sua família, seus irmãos, seus pais e nem seu sobrinho, quem adora tanto e precisava, de verdade, acompanhar seu crescimento. Manoel, Tia Bel, Tia Mei, Catarina e Tigresinha também não poderia vê-los. Seriam apenas memórias dos poucos meses que passou naquela academia maravilhosa. Todo o prédio da Academia de Belas Artes de Euterpe deixará saudades. Já podia até sentir falta do Recanto de Literatura, da Cantina Etérea, do Museu de Euterpe, do Palacete de Artes Visuais e, principalmente, do Casarão do Ipê Amarelo. Arrependeu-se profundamente de ter deixado Júpiter lá, nunca mais tocá-lo-ia e precisava encontrar um novo violino aqui se quisesse continuar a praticar. Entretanto, o amor e carinho que sentia por Júpiter não poderia ser igual ao do violino novo. Júpiter havia deixado uma importante marca em seu coração. 

Além disso, Manoel ficaria aguardando seus sorvetes grátis até o fim de seus dias, só para descobrir que seus amigos haviam desaparecido. Como a mãe de Gibril reagiria a isso? E o resto de seus familiares? Será que as diretoras notaram seu sumiço? Ele queria parar de pensar nisso, porém não conseguia. Sua mente o levou a se perguntar como viveria no Carnaval Eterno. Não tinha tanto dinheiro, não tinha casa nem roupas novas e nem instrumento. De comida, só as sobras do que compraram e a maior parte era só doces. Ele teria que pedir dinheiro pelas ruas depois que o pouco que tinha acabasse? Viver de caridades e misericórdias dos outros não estava em seus planos de vida. Onde dormiria? Em um banco da praça onde havia jantado? Se alguém o roubasse ali? Se o sequestrassem? Isso senão morresse de frio ou de fome antes. 

Seu cérebro estava à beira de um colapso. Podia sentir o pânico zumbir em seus ouvidos e o sangue gelar. Sua vida havia mudado drasticamente por conta de um descuido. Um dele, o incidente da toalha; e outro de Yakov, não ter prestado atenção na rua. Se o pintor fosse mais cuidadoso, Gibril não precisava ter o salvado. Todavia, se Gibril tivesse sido mais atento aos detalhes, o pano teria amortecido a pancada do Prisma. Em uma outra realidade, um outro Gibril teria feito o certo a respeito do Prisma, Yakov saberia se portar na rua, tudo estaria bem e voltariam para casa eventualmente. Contudo, essa não era a realidade de nenhum deles.

Gibril não queria culpar Yakov sobre a quebra do Prisma porque sabia que fora ele quem o empurrara para salvá-lo de um atropelamento mortal. Entretanto, Yakov não poderia ter tido um pouquinho mais de consciência de como andar em lugares com travessia de carruagens? Ele estava distraído, graças ao açúcar estourando em seu sangue talvez, mas não poderia ter só olhado para ver uma carruagem com cavalos desgovernados?

Uma série de infortúnios trouxeram os dois à situação que estavam agora. Gibril, o último a usar o Prisma, não o embrulhou na toalinha, a qual tinha justo a finalidade de mantê-lo protegido contra, principalmente, impactos. Yakov, muito agitado e com pouquíssima experiência de poder circular livremente pelas ruas, não percebeu que uma carruagem vinha em sua direção. O cocheiro, cansado dos cavalos que não lhe obedeciam, deixou-os correrem como bem queriam e saírem desorientados. Gibril, o único são entre os dois, empurrou em desespero Yakov para que ele desviasse da carruagem, porém, resultou em uma queda e, consequentemente, na quebra do Prisma graças ao impacto. Sendo assim, nenhum deles poderia retornar a sua vida normal e estavam condenados a passarem o restante de seus dias em um quadro com natureza violeta e roxa e com festança todo dia por toda a eternidade.

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