Gibril corria pelas paredes lotadas de quadros do Palacete de Artes Visuais, com os olhos dos retratos de testemunhas oculares do seu crime de correr por lá. Apesar do nome "corredor", a principal regra era "não correr". O músico entendeu o porquê quando quase esbarrou em uma mesa com no mínimo uma dúzia de estatuetas de porcelana em cima.
Ele tivera uma ideia genial (em sua opinião) e precisava imediatamente contar a Yakov.
Era absurda? Com certeza.
Yakov não concordaria? Provavelmente.
Gibril tinha alguma coisa a perder com ela? Não.
Então, foram essas as frases que o levaram ao Palacete. Yakov deveria estar em alguma sala trabalhando sozinho, Gibril imaginou. Era um cenário bem típico dele: só, em uma sala cheia de telas semiacabadas e com tinta até os cotovelos.
O músico passou por duas meninas de tranças e perguntou onde ele poderia encontrar o amigo. A mais alta respondeu que ele talvez estaria na sala de estudos práticos a óleo e Gibril achou esse nome o mais estranho para uma sala. Era bem direto, mas ao mesmo tempo parecia desnecessário ter uma sala só para isso. Será que havia uma para estudos práticos em aquarela? Ou para argila? Biscuit? Giz pastel? Gafite?
Realmente existia e Gibril descobriu ao chegar no fim do corredor principal do segundo andar do prédio. Aparentemente, esse andar era inteiro para salas de estudos práticos e a que buscava tinha que ser, literalmente, a última. Era bem iluminado e não havia tantos quadros pendurados, porém, a cada meio metro, encontrava-se uma estátua ou escultura no chão, algumas quebradas, outras rachadas e outras mais ou menos pintadas. Um quase cemitério ou depósito abandonado desses objetos e não poderia faltar aranhas pequenas e suas teias. Os artistas precisavam urgentemente fazer uma faxina ali. Gibril suspeitava que sua rinite o atacaria se passasse tanto tempo nesse andar.
Havia uma janelinha na porta da sala de seu destino, sendo possível ver a cabecinha chocolate cacheada de Yakov, que estava sentado de frente para uma tela de quase um metro de altura, apoiada no cavalete. Ele estava parado, jogado na cadeira, encarando o além e esperando alguma força oculta lhe dar inspiração para pintar seja lá o que tinha que fazer.
Gibril bateu com o típico código deles antes de abrir a porta. Embora não tenha sido a intenção, ele assustou o outro, fazendo-o pular na cadeira.
Yakov encarou a figura loira que acabara de chegar do outro lado da sala.
- Como você chegou aqui? - ele perguntou sem nenhum cumprimento, apesar de ser a primeira vez deles se vendo após acordarem.
- Parte foi intuição, parte foi ajuda dos estudantes daqui.
- E o que você faz aqui?
Gibril sorriu triunfante. Chegou a parte boa de sua visita.
- Eu tenho um plano.
- De fuga?! - Yakov voou da cadeira para se pôr de pé em frente ao amigo.
- Quase.
O brilho nos olhos violetas esvaiu um pouco, mas isso não impediu Gibril de continuar com seu ânimo.
- Eu vou contigo.
Yakov piscou algumas vezes, perplexo.
- O quê?
- Você me ouviu. Eu vou contigo para sua casa. Passarei essa uma semana no inferno contigo.
Yakov não podia acreditar no que escutara.
- Você ouviu o que acabou de dizer? - ele disse com certa irritação que Gibril não conseguiu entender o motivo.
Até que ele percebeu que Yakov estava à beira de um surto.
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Belas Artes
Teen FictionGibril Diobsiana é um violinista e poeta que passa a estudar na Academia de Belas Artes de Euterpe, tendo como colega de quarto o prodígio na pintura e no desenho e melhor aluno do local, Yakov Mattisea. A vida desses estudantes artistas era agradá...