Eu costumava ter uma grande coleção em minha estante, potes de vidro em que guardava todas as lágrimas que não fui capaz de derramar ao longo de minha vida de lamúrias, meu sofrimento puramente líquido, até que um terremoto as atingiu. Meu corpo pesado e trêmulo cedeu e fui obrigada a ver e sentir a dor de todos os meus potes se quebrarem ao chão e as lágrimas derramarem para fora de mim, a tempestade que estava contida há anos.
Em partes, foi um alívio livrar-me delas. Aquela estante ocupava muito espaço em meu interior, porém, agora me sinto mais vazia do que jamais estive, e todos aqueles cacos no chão, eu sabia que ainda poderiam ser recuperados, que eram fragmentos meus e, se jogados fora, levariam consigo pedaços de quem eu sou. Então, eu os juntei. Uni cada pedacinho deles e formei um coração de vidro: remendado, instável, quebradiço, e ainda assim, único. Meu.
Ninguém sabe o que isso me custou, o quanto fui ferida e o quanto sangrei na tentativa de me recompor sozinha. Ainda tenho cicatrizes pelo corpo, as duradouras lembranças de todo o sufoco pelo qual passei, do qual quase me salvei, os esforços tão falhos aos quais me submeti. Vivo hoje como uma pessoa remendada carregando meus tênues restos. Isso já não me incomoda mais, pois me familiarizei com os aterradores retalhos, e não me importo em ser só mais uma alma vagante no mundo que um dia fora dilacerada, um corpo físico vivo, mas com remendos podres por dentro. Por fim, apenas concluo que aos poucos farei parte de um cemitério de pessoas vivas cujo âmago, outrora, padeceu e se decompos, até que não restasse coisa alguma.
— Estar respirando não significa absolutamente nada.
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Lágrimas e Vidro Para o Jantar
Poetry"O que tem para o jantar? Além de lagrimas e vidro, Temos solidão para cantar Angústia para servir E Amargor para beber." •Parceria com @ketlynpss Plágio é crime! -》Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (...