Me perdoe

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“O tempo não volta, mas podemos fazer diferente, se assim desejarmos...”

Marília

Estou em um dos quartos de hóspedes da mansão.

Maraisa adormeceu em minha cama, e não achei justo ficar no mesmo quarto que ela. Ela mexe comigo, e iria observá-la a todo tempo se permanecesse por lá. Não posso ficar a mercê de mulher alguma, e essa aproximação está ficando perigosa demais.

O problema é que a lembrança do corpo de Maraisa não sai da minha cabeça. Ela gemendo e tentando se segurar para não gritar nem se fala.

Tenho que pensar em outro assunto, já que não está me ajudando em nada relembrar essa noite animal que tivemos na academia.

Ainda são 5h, e não consegui pregar o olho. Se antes achava Maraisa gostosa, agora tenho a mais absoluta certeza do que falo. Além de tudo é uma safada...

— Pare de pensar nisso! — me virei, tentando dialogar com meu cérebro que insistia em fazer com que meus pensamentos focassem exclusivamente nela, em seu corpo...

Caralho!

Seu corpo pequeno tão conectado ao meu, seu cheiro, sua boca, a forma que seus pelos se eriçavam quando tocava seus pontos íntimos...

Essa menina é perigosa, e quanto mais eu fico perto dela, mais medo eu tenho de que ela consiga despertar sentimentos adormecidos em meu peito.

Preciso parar de pensar nela, amanhã é um novo dia, dia o qual farei aquilo que me propus a fazer desde a tragédia com a minha família.

{...}

Estar aqui é como um ritual para mim.

Visitar esse homem se tornou uma parte da minha vida, a parte que tento esquecer, mas não faço por onde. Falando dessa maneira parece masoquismo, mas é necessário reviver algumas dores, sentir que estou viva de alguma forma por um erro que alguém cometeu.

Sei que não estão entendendo quase nada do que estou falando, e nem precisam se preocupar com os detalhes, só eu sei bem o que passei, o que passo diariamente...

Novamente estou em sua frente, e nem preciso fazer o mínimo de força para um imenso ódio brotar em minha face.

— Como tem passado?

— Acho que sabe. — falou, não me observando diretamente, como me acostumei.

— Sei, e tenho prazer nisso.

Levantou seus olhos pela primeira vez, e logo depois levemente meneou sua cabeça, em desacordo.

— Você nunca irá parar de vir aqui. — falou baixinho.

— Se foi uma pergunta, acho que sabe a resposta. Farei as duas visitas que tenho no mês.

— Eu não quero sua visita! — pela primeira vez gritou, me surpreendendo um pouco.

— Então... você quer ir por esse lado? Já não dei mostras do que sou capaz? — questionei, e logo após o homem mudou o seu semblante.

— Me desculpe.

— Não. Você não sofreu nem a metade do que reservei, e de uma forma ou outra você vai pagar por toda a dor que causou em mim.

— Eu sinto muito. — baixou a cabeça, e percebi uma pequena lágrima descendo pelo seu rosto, lágrima esta que me fez rir no exato momento que a notei.

— É tão bonito te ver chorando. Eu fico até comovida, sabe?

— Marília...

— Não me chame pelo nome! — apontei o indicador em sua direção.

— Eu... sinto muito por tudo.

A raiva que sentia nas repetidas vezes que ele falava palavras assim não pode ser medida.

{...}

Estou encarando a lápide da minha filha há 30 minutos, mas não consigo dizer nada a ela. O que eu poderia falar?

Que sou um monstro e faço as pessoas sofrerem?

Que minha vida não tem sentido depois que ela se foi?

Que perdi totalmente o ânimo de viver como uma mulher normal?

— Me perdoe... era eu quem devia estar no seu lugar.

As poucas palavras deram lugar a um choro intenso por alguns minutos. São tantas coisas para serem ditas, só que ninguém está me ouvindo. Fui abandonada por todos, e fiz questão disso.

— Sabe... eu conheci uma menina alegre. Acho que seriam boas amigas, já que você seria praticamente obrigada a passar um tempo com ela. — sorri, enquanto enxugava algumas lágrimas do meu rosto. — Ela se chama Laura, mas é o oposto de você. Apesar de tudo, eu gosto dela, mesmo ela me atrapalhando um pouco, não sinto raiva alguma de sua presença.

Recordei-me de Sofia correndo pela mansão. Geralmente brincávamos de pique-esconde, e devo dizer que tínhamos muito tempo juntas. Esse era mais um pretexto para que eu pudesse passar mais tempo com meus filhos, já que Léo também estava presente.

Os dois eram grudados, e agora vejo claramente o efeito que a morte de Sofia causou em meu filho. Ele nunca mais se abriu com ninguém, e ainda não aceita o fato de sua irmã pequena ter morrido.

Sofia ainda não tinha três anos completos quando Léo comemorou seus 5 anos de idade. No momento que ele foi apagar as velas, falei para que meu filho fizesse um pedido, e só depois soprasse as velas. Momento depois nenhuma vela ficou acesa, e ele me observou bastante alegre. Lembro-me até hoje daquele dia...

Flashback ON

— Fez o pedido? — perguntei após todas as velas estarem apagadas.

— Sim, mamãe.

— Que bom, filho.

— Eu pedi para que eu cresça rápido e possa proteger minha irmã dos homens maus. Para sempre.

Olhei para Léo, e senti grande orgulho em ouvir palavras tão profundas e bonitas de uma criança tão pequena.

— Não precisava me falar. Estou orgulhosa por estar pensando em sua irmã.

Alguns segundos depois já estávamos abraçados. Eu me contive muito para não cair no choro, já que se tratando dos meus filhos me torno uma mulher bem chorona, confesso.

— Posso abraçar vocês também, mamãe? — Sofia falou, claramente com pequeno ciúme de não ser incluída.

Tenho que agradecer a Deus, já que somos uma família abençoada e feliz...

Flashback OFF

Ao lado do túmulo da minha filha está o dela.

Helena...

Eu realmente não tinha assunto algum com a minha falecida esposa. Essa palavra chega a ser estranha para quem não conhece a minha história.

— Eu não devia ter concordado em enterrá-las uma ao lado da outra. Você não merece a filha que tem!

O que eu conseguia era sentir mais ódio, e essa era minha deixa para sair do cemitério, já que Sofia não merece tanto ódio em meu coração.

The Lost - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora