I Need Somewhere to Begin

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Se preparem, tomem uma água que esse tá complicado kk
Não vou pagar terapia de ninguém, já vou avisando.

23 de Março de 1993 - 19 anos

   Em momentos como esse, Sally se perguntava se ela pertencia em algum lugar. Em pé, encostada no balcão da doceria onde trabalhava, com uma dor de cabeça absurda, enjoada e com fome, ela observava uma pequena família comer alguns cookies.
Uma moça que devia ter uns 35 anos ria da filha que tentava comer um cookie sem derrubar migalhas no chão, o homem ao seu lado beijava sua bochecha em adoração, sorrindo para o filho que corria atrás de um carrinho de brinquedo.
Algum dia ela teria essa vida? Pensou na minúscula vida crescendo sob sua pele, sem pressa se tornando um serzinho, que cresceria da mesma forma que aqueles à sua frente.
Teria ela tomado a decisão errada? Teria ela, sem intenção, escrito um destino horrível para seu bebê?
Pensou nos bobos comentários de Avery sobre a teoria do multiverso, talvez em algum universo, ela pudesse ter uma família completa, um pai, uma mãe, um marido, um filho ou uma filha...
"Com licença, poderia fechar a conta para a gente, por favor?" A moça voltou a atenção de Sally para o mundo real, aquela porra daquele mundo real.
"Claro." Ela sorriu. "Vocês são uma bela família."
O sorriso genuíno da mulher quase fez Sally se culpar por não estar tão animada com sua gravidez. "Muito obrigada!"

13 de Junho de 1993 - 19 anos

Sally nunca se acostumaria com a barriga, com 31 semanas ela já aparecia tranquilamente, causando julgamentos em vários olhares em sua direção. Ela não ligava. Havia aprendido a lidar com aquele serzinho dentro de si, seu menino.
Ele já tinha nome, quarto, enxoval quase completo e muito amor para receber. Sally sentia esse amor transbordar com cada movimento dentro de si. Ele era aproximadamente do tamanho de um pequeno abacaxi. Ela achava algumas comparações meio bobas, mas essas eram fofas.
Às vezes Sally se sentia sozinha, com seus amigos bebendo mais do que nunca, sem qualquer tipo de família ou grupo de apoio. Algumas vezes pensou em ir em algum grupo de apoio para mães, mas não queria ver aquele monte de mulheres maravilhosas, casadas, com 35 anos olhando para ela com pena. Era assim para todo mundo? Ela nunca entenderia. Aquilo não era bom? As pessoas amavam crianças, em tese.
'Ninguém ama ninguém nesse mundo.' Ela se lembrou. 'Mas eu vou te amar, meu abacaxi. Mesmo quando ninguém o faça, eu o farei.'

30 de Abril de 2009 - 35 anos //15 anos

Sally sentia que podia vomitar. Não podia ser, não podia ser agora.
Agradeceu algumas centenas de vezes que Percy não estava em casa. Ela chorou, chorou e pensou sobre como os anos passavam e ela continuava a mesma adolescente burra e assustada que era. Percy iria morrer, o pensamento já era demais para seu coração. A escolha egoísta e absurda que ela fez dezesseis anos atrás mataria seu filho, de uma forma violenta e dolorosa. Diversas vezes ela havia acordado chorando, imagens de seu filho sangrando lentamente no campo de batalha queimando em sua cabeça.
E agora isso?
Claro, o atraso podia não ser nada. Ela já não era jovem, isso não era incomum, mas e se...
Suas mãos tremiam ao olhar para o pequeno pedaço de plástico em sua mão.
Negativo.
Nunca achou que pudesse ficar tão aliviada.
Sua cabeça rodava a milhares de quilômetros por hora. Ela poderia ter filhos de novo? Teria a audácia de ter-los depois do que fez com Percy? Não, sem chance alguma.
Era demais para ela, ela não queria pensar em um mundo onde Percy não existia. Talvez, em um mundo onde Percy não existia, ela também não existia.

18 de Agosto de 2009 - 35 anos //16 anos

Percy mandou todos para a casa, ele faria isso sozinho. Era seu dever.
Colocou Silena junto com tantos outros no carrinho de madeira que carregava, eles mereciam no mínimo uma cerimônia.
Chorou ao colocar Michael Yew junto ao irmão, ambos com tanto para fazer, coisas que nunca fariam, vistas que nunca veriam, risadas que nunca dariam.
    Ele se vingaria.
    Pensou em como era injusto ele viver. A profecia dizia que ele morreria. Ele devia ter morrido, há muito tempo devia ter morrido. Talvez ele não devesse nem ter nascido, teria machucado menos pessoas.
    Era injusto, tudo aquilo. Por que ele não podia se preocupar com provas e namoradas como qualquer cara de dezesseis anos? Por que ele não podia rir com seus amigos numa tarde de domingo como um pessoa normal?
    Não importava, era essa a vida dele, sonhar com algo melhor não fazia sentido.
    Colocou um semideus nos ombros quando o carrinho não aguentava mais, e assim ele andou pela estrada, chorando sem emoções para sentir, não tinha certeza se já tinha sentido algo na vida. Não se lembrava, carregando seus amigos, o corpo de seus amigos, que já não respiravam o mesmo ar que ele, cujos corações já não batiam mais como o dele.
     Ligou para a família dos que tinham, deu as notícias e pediu desculpas. Não sabia o que mais dizer.
     Afastou Chiron e Grover quando perguntaram se ele estava bem. Ele não estava.
     Sentou-se na beira do oceano, sentidos abafados, esperando um monstro vir.
     Talvez ele fosse o monstro, o monstro ficava dentro dele, como o mar.
     "Percy?" Uma voz doce soou a seu lado, ele não conseguia identificá-la direito, mas algo no tom gentil e preocupado fez ele quebrar por inteiro.
      "Ah, meu amor..." Ele sentiu as mãos delicadas de Annabeth tocarem seu ombro, abraçando-o com força.
      Ele gritou, pela primeira vez desde a vitória (se é que podia chama-la disso).
      Sentiu o coração apertar e as lágrimas correrem mapas de dor por seu rosto, indicando o caminho para a cura, talvez elas levassem a Annabeth.
      "A minha mãe-" Ele lembro-se da promessa que ela havia feito, de vir vê-lo.
      "Ela está falando com Chiron. Só estamos eu e você aqui. Fique tranquilo. Você precisa relaxar um pouco. Pode chorar."
      Ele apertou os braços em volta dela, talvez até demais, mas ela apenas o confortou.

𝐍𝐨𝐭𝐡𝐢𝐧𝐠 𝐛𝐫𝐞𝐚𝐤𝐬 𝐥𝐢𝐤𝐞 𝐚 𝐡𝐞𝐚𝐫𝐭 // Sally JacksonOnde histórias criam vida. Descubra agora