Capítulo 1 - O acordar de um Sonho

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(Kiet)

Éramos crianças. Ríamo-nos e abríamos caminho entre as folhas largas e longas naquela floresta tropical. Eu corria com um pé descalço, pois deixara para trás o sapato que ficou preso nas raízes entrelaçadas de uma árvore centenária. Movido por um espírito de competição, nem olhava para trás.

— Pi, tenta apanhar-me! — desafiei, sem hesitação.

Assim que o desafiei, senti uma força gravitacional e dei por mim num buraco de terra batida. O meu coração palpitava intensamente com o susto, a adrenalina e o princípio de uma dor.

— Pi, ajuda-me! — gritei.

— Nong Kiet! — respondeu Pi, aproximando-se rapidamente com um ar preocupado. — Tem calma, Nong Kiet. Pi vai tirar-te daí.

Apesar da dor que sentia na perna esquerda, acalmei um pouco, pois sabia que Pi cumpria sempre com o que dizia. Mais confiante, levantei-me, apoiei-me na parede de terra vermelha e estiquei-me em direção ao local de onde me parecia vir a voz de Pi. Esperava alcançar a sua mão lá no alto, mesmo sem o conseguir ver. Entretanto, escutei o barulho de madeira a quebrar, como se estivessem a partir paus para fazer uma fogueira. De repente, ele surge com um tronco esguio e comprido.

— Nong Kiet, agarra-te à ponta do tronco e não o largues até estares aqui comigo — ordenou Pi, num tom mais alto para garantir que eu ouvisse bem.

Apressei-me a agir de acordo com a sua orientação, sem receio, já que Pi era a pessoa em quem eu mais confiava, a par do meu pai, da tia Nida e da Pa' Noon. Quando ia a meio da escalada, o tronco partiu-se e eu caí novamente sobre a minha perna esquerda, libertando um grito de dor. Olhei para Pi e vi o seu rosto em pânico, a sua face paralisada, a sua boca incapaz de proferir um som. Lágrimas começaram a aparecer nos meus olhos. Instintivamente procurei secá-las. Em contradição com o que desejava, disse-lhe para me deixar ali e ir pedir ajuda.

Pi olhou para o céu alaranjado e logo depois para mim.

— Pi vem já, Nong Kiet!

Respondi-lhe com um sorriso que logo foi substituído por um olhar triste quando Pi se afastou. O crepúsculo revestido de tons dourados começava a desaparecer, tornando todo aquele cenário mais tenebroso. Ouvi sons que me pareciam ser de animais rastejantes. No entanto, as suas origens ocultavam-se nas sombras da noite que se estendia. Sem saber o que me aguardava, procurei um canto e sentei-me. Pressionei as mãos contra os ouvidos, numa tentativa desesperada de bloquear os ruídos inquietantes que ecoavam ao meu redor. Receava enfrentar-me com alguma criatura desconhecida e, por isso, fixei o olhar com firmeza no chão à procura de refúgio. O cansaço gradualmente dominava o meu corpo, e a sonolência começou a nublar os meus sentidos. De repente, um estrondo de algo a bater com força no solo despertou-me abruptamente.

— Nong Kiet, estás bem? — perguntou-me Pi, abraçando-me calorosamente.

— Pi, porque é que saltaste? A tia Nida vai ficar muito preocupada — reclamei, procurando disfarçar o quão gratificante era sentir a sua presença perto de mim.

— Não podia deixar-te aqui sozinho. E além do mais, já está de noite — justificou. E eu retribuí-lhe o abraço caloroso.

Debaixo do manto noturno, a terra fria e húmida roubava o calor do meu corpo, provocando um desconforto penetrante. Pi, o meu fiel companheiro, percebeu a minha aflição e posicionou-se cuidadosamente atrás de mim, envolvendo-me com as suas pernas. Aparentava calma, mas a sua tranquilidade era meramente superficial. Enquanto os nossos corpos se uniam para enfrentar o frio, eu podia sentir a tensão que o consumia. A sua pulsação acelerada e a respiração descompassada denunciavam a sua ansiedade, revelando que, apesar das aparências, ele partilhava da mesma preocupação. Naquele momento desafiante, juntos enfrentávamos o desconhecido. Ao longe, ouvi um ruído que me pareceu ser de um animal de porte médio em corrida. Pi apercebeu-se da minha agitação e colocou a sua cabeça no meu ombro esquerdo, dizendo-me ao ouvido:

— Menino de puro coração, maldades não te farão. Agora, fecha os olhos e repete com muita fé.

Fechei os olhos, uni as minhas mãos em prece e comecei a dizer:

— Menino de puro coração, maldades não te farão.

— Mais alto! — incentivou-me Pi.

— MENINO DE PURO CORAÇÃO, MALDADES NÃO TE FARÃO.

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Acordei! Não estava nos braços do Pi, nem naquele buraco, nem na floresta. Havia sido tudo um sonho.

Uma profunda dor de cabeça fez-me curvar. De repente, a figura de um homem vestido de fato preto e camisola preta fez-me sobressaltar na cama, onde o meu corpo dorido repousava. O homem olhava-me friamente enquanto encostava o walkie-talkie ao canto da boca para comunicar:

— Ele acordou.

Alguém do outro lado disse qualquer coisa que não consegui ouvir, ao que o homem apenas respondeu "khrap", retirando em seguida o dedo do botão. Depois, caminhou para a porta, mas, antes de a abrir por completo, virou-se e disse-me com um ar bastante ameaçador:

— Não tente fugir. Tenho ordens para lhe dar um tiro se tentar fazer alguma gracinha.

E dito isto, saiu pela porta fora sem me dar tempo de perguntar absolutamente nada. Eu estava atónito, incrédulo diante de uma situação que parecia mais surreal do que o sonho do qual havia despertado momentos antes. As dores pulsantes no meu corpo eram cruamente reais, tornando impossível até mesmo apoiar-me na cabeceira da cama, que, ironicamente, era almofadada e surpreendentemente confortável. Aos poucos, o pânico apoderou-se de mim. A realidade bizarra e as dores faziam-me questionar até a minha própria sanidade. Procurava uma resposta para o que estava a acontecer. No entanto, um turbilhão de emoções deixou-me completamente vulnerável e sem nenhuma explicação.

Thirasak & Kiet - O Reverso Do Ódio  Onde histórias criam vida. Descubra agora