Capítulo oito, sobre a imortalidade

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Não é um estado tão permanente como o nome pode sugerir.

E existem algumas maneiras de se sair dele.


Uma delas - a mais corriqueira - eu estava para presenciar naquele dia.

A outra, em um futuro não tão distante - embora eu não soubesse disso ainda.


- Como está seu humano de estimação hoje, McQueen?

Não preciso dizer quem foi o dono da frase, preciso? Ótimo.

Eu mostrei o dedo do meio para ele e continuei andando. Eu não estava no clima de provocações, como de costume.

- Espera. - ele falou e segurou meu pulso. Eu parei e lhe lancei o olhar mais desprezível que eu era capaz.

- O que foi dessa vez, Jason? Eu estou ocupada.

Mentira, eu não estava.


- Você ficou sabendo do James? - que pergunta estúpida a dele. Por acaso eu tinha cara de quem fica cuidando da vida alheia?

- Por que eu deveria saber?

- Porque, por acaso, todo mundo está sabendo. - eu revirei os olhos. Jason e sua mania insuportável de suspense. - Ele vai ser mortalizado.


Por um segundo, eu parei.

- Mortalizado? - eu repeti, desconfiada.

Só podia ser uma brincadeira.

De mau gosto. Uma daquelas típicas do Jason.


- Você está blefando. - eu arrisquei. Eu não ia acreditar nele assim tão fácil.

Não mesmo.

Ainda mais se tratando de um assunto como aquele.


O infeliz largou meu pulso com um movimento desdenhoso e me lançou um olhar de desprezo antes de se virar.

-Espere para ver então, Rose.


Daquela vez, fui eu quem o parou.

-O que foi que ele fez? - perguntei segurando-o pelo ombro. Quando se virou, seu sorriso era insuportavelmente presunçoso, daqueles que pedem um punho. - Por acaso ele não... -

-Não. - Jason me interrompeu, varrendo minha mão para longe de seu ombro com sua delicadeza característica. - Foram ordens do Gregory.


Eu deixei que o imprestável fosse embora.

Ordens do Gregory.


Até onde eu conseguia me lembrar, ele era o único ser capaz de mortalizar ou imortalizar alguém que não fosse ele próprio.

Porque, sim, nós podemos fazer isso.

Mas só para nós mesmos.

E não exatamente por vontade própria.


Esse tipo de mortalização é mais como uma conseqüência.

Uma punição, ou qualquer coisa assim.


Vejam:

Quando um mortal vence a morte, ele se torna imortal. E isso não é novidade para ninguém.

Agora quer saber o que um imortal se torna quando vence a morte?


Vá até o banheiro e dê uma espiada no espelho.


Uma pergunta para reflexão:

Como uma morte é capaz de vencer a outra?

Sim, eu respondo - mas não agora.


O que importa é que James estava para ser mortalizado.

E não era por ter vencido morte alguma.


Durante a execução, Gregory fez questão de listar e explicar minuciosamente todos os motivos pelos quais ele seria lançado à Terra.

Era uma lista bem extensa e a voz monótona de Gregory já estava começando a me irritar profundamente.


Aliás, essa é uma mania insuportável do Gregory.

Ele não desenvolve.


No entanto, quando eu decidi poupar meus ouvidos de todo aquele rebuscamento desnecessário, um dos itens da lista interminável me chamou a atenção.


Ao que parecia, o infeliz tinha se recusado a levar uma alma.

Desprezível.

Esse era o erro mais intolerável e Gragory fazia questão de deixar o fato cristalino.

Tão cristalino que à vezes eu me pergunto como fui capaz de...


Ops, informação demais.


O que importa é que a coisa toda não durou mais muito tempo.

Claro que Gregory fez o favor de dissertar sobre como a memória imortal de James seria dolorosa e irreversivelmente substituída por uma falsa, idiota e efêmera memória humana.


Em alguns meses, ele não se lembraria de mais nada.

O lugar parecido com o céu seria um sonho nebuloso.

Meu rosto ou o de Gregory não lhe significariam coisa alguma.


Ele seria condenado a vagar com seu corpo de carne pelas ruas, tentando criar alguma lógica com restos de fragmentos de seus pensamentos difusos.

E ele esperaria a minha visita ou a de um de meus colegas, como os humanos fazem.


Esperaria jogando dominó na praça.

Talvez estudando em uma universidade qualquer.

Talvez criando ovelhas em uma fazendinha serena.


Ou talvez simplesmente permanecendo sentado ao seu lado com um sorriso gentil nos lábios.


E você não ia saber.

O homem que me chamava de anjo [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora