Capítulo nove, sobre ideias

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Os humanos têm o péssimo hábito de achar que as deles são geniais.

Só que não são – não pelo menos em noventa por cento dos casos.


Naquele dia a idéia veio da menina do cabelo espetado, o que, claro, fez o humano das letras duplas ficar ainda mais irritante do que de costume.


-Por que o Tony tem de ir junto? – ele resmungou para o primo enquanto socava qualquer coisa na mochila.

-Porque a Lisa quis assim. – o loiro respondeu impaciente. – Feliz?


Não, eu podia dizer que ele não estava nem um pouco feliz. E também podia dizer que aquilo não me deixava satisfeita como eu esperava que deixasse.

Ele me irritava, afinal.

Eu deveria ficar feliz em vê-lo definhar por causa de uma humana tão idiota quanto ele.

Até porque é isso mesmo que os humanos fazem.

Eles definham.


-Não sei se eu quero ir, Henry.


Isso, isso...

Eu me esgueirei pelo dormitório outra vez, me deleitando na dúvida que pipocava no cérebro daquele humano irritantemente irresistível.

Não vá, humano das letras faltando, não vá...


-Ian, pode ser sua chance.


Oh.


Eu estiquei os braços e fui caminhando na direção do loiro, quase podendo sentir sua alma impecável em minhas mãos sedentas.

Bastava um puxão.

Um tranco.

Um baque surdo e não haveria nada além de um corpo lindo e oco estatelado no chão empoeirado.

Retraí as mãos em um movimento rápido.

Estavam vazias.


-Ainda não sei, Henry.


Fique, fique...

Mas por algum motivo, eu sabia que ele não ficaria.

Humano idiota.

Humano irritante.

Humano burro.


Voltei a rondar o corpo enorme e absolutamente previsível do infeliz, quase sendo capaz de escutar a dúvida ricocheteando em seu crânio perfeitamente simétrico.

Eu não sabia se era o cheiro, se era o calor, se era o ar doce deslocado com cada arfar de sua respiração que me convidava a me aproximar.

Era quase hipnótico.

Obsessivo.


Cheguei perto o suficiente para que meus dedos invisíveis quisessem tocar os cabelos escuros em forma de cachos.

Irritantes e estúpidos.


Deslizei meu corpo perto do dele, encarando-o de frente.

O imprestável era insuportável e desprezivelmente lindo.

Meus dedos invisíveis se levantaram outra vez, agitados para sentir a pele rosada, mas eu os recolhi antes que terminassem a empreitada.

Não era sensato fazer esse tipo de coisa, não senhor.

Não quando ele não poderia sequer me sentir.


O humano arfou outra vez e seu hálito foi levado até meu rosto, inebriando o ciclone de sentidos que estava me consumindo.


Eu não devia fazer aquilo.

Não, decididamente não.

Mas talvez aquela fosse apenas uma prévia da minha rebeldia desmedida.


Com um impulso, eu escorri meu corpo pelo dele, pronta para tocar seus lábios.

Os lábios cheios e insuportavelmente perfeitos que adornavam aquele rosto lindo que eu odiava.


Então ele tremeu.


Eu me afastei, surpresa.

O humano não deveria sentir nada.

Eu não era capaz de tocá-lo, afinal.


-Você sentiu um calafrio de repente, Henry?


O loiro ergueu as sobrancelhas enquanto terminava de fechar o zíper da mochila e depois balançou a cabeça negativamente.

-Não, Ian. Agora vamos, você precisa sair.


O meu humano irritante concordou e lentamente foi se afastando de mim, até alcançar a porta.

Então ele parou.

Antes de apagar as luzes, vi seus olhos azuis faiscantes escanearem o quarto à procura de alguma coisa.


Estou aqui, estou aqui.

E a luz se apagou.

O homem que me chamava de anjo [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora