Capítulo um, sobre apresentações

314 43 12
                                    

Eu poderia começar me apresentando, e talvez essa fosse a coisa certa a se fazer.

Mas não.

Não porque eu não queira, mas porque prefiro que os humanos tirem suas próprias conclusões ao meu respeito.

Embora elas sejam, em quase cem por cento das vezes, erradas.


 Então eu poderia apresentar o lugar de onde eu venho.

Poderia dizer que é o inferno. Seria uma boa definição e ninguém ia discutir.

Mas não.


 E não, porque – acreditem – o inferno não existe. Na minha opinião, o inferno foi uma invenção bem bolada – ou nem tanto – dos humanos e cada um tem o seu particular.

Um lugar, uma situação, um emprego dos infernos – com o perdão do trocadilho.

Ou uma pessoa.

Ou quase isso, no meu caso.

Mas não importa.


 Eu venho de um lugar parecido com o céu. E não sou um anjo, antes que essa possibilidade possa cruzar a mente de alguém.

Porque sim – pasmem – eles existem.

Em um maior número do que eu mesma gostaria, e sem aquelas asas desajeitadas que as pessoas pintam por aí. Aquilo seria, no mínimo, imensamente desconfortável.

Mas ainda assim, existem.

E eu não sou um deles.


 -Tirou o dia de folga, Rose?

Apresento-lhes o meu inferno particular.

Um inferno que tinha o péssimo hábito de atender pelo nome de Jason.

Infelizmente – para ele – eu não estava de bom humor. Tomar conta de um acidente aéreo inteiro, sozinha, não era uma coisa que me deixava exatamente animada.

-Vai se ferrar, Jason.


 Sim, eu tinha bons modos.

Mas não com Jason, ele era uma exceção.

E das grandes.


 Ele me lançou um olhar desdenhoso e se sentou ao meu lado.

Eu estava observando os humanos.

Admito, são criaturas estranhas.

Na maior parte do tempo, previsíveis e sem graça. Mas alguns realmente conseguiam se superar.

E, quando isso acontecia, eu podia acabar sendo recrutada.


 Aprendam:

Humanos imprevisíveis, mais brinquedos impróprios – e ponha aí carros potentes, bazucas, canudinhos de plástico – mais oportunidade, é igual a idiotice 

Simples assim.


 -O que você tem para hoje? – Jason perguntou sem demonstrar algum interesse efetivo na pergunta. Ele nunca tinha, na verdade.

-Fui escalada para o acidente de moto às nove e meia. O infeliz encheu a cara o dia todo.

Ele soltou uma risadinha abafada e balançou a cabeça.

-Pelo menos ele não vai sentir nada. Pra qual ala você vai levar? Suicidas?

Eu ri.

Bem que ele merecia. Humano idiota...

-Não. Estou me sentindo piedosa hoje.

Jason fez aquela cara com olhar de lado que eu odiava.

-Rose McQueen piedosa? – ele riu. – Essa é nova pra mim.


 Eu queria socá-lo.

Mas não. Eu era civilizada.

Embora, claro, ele não merecesse a minha civilidade.


 -Por que você não cala a boca e cuida da sua vida? Aposto que deve estar cheio de maníacos pulando de pontes por aí.

-Na verdade, não. – ele me rebateu. – Além do mais, o James perdeu uma aposta para mim. Ele vai ficar com as minhas almas hoje.

 Claro, eu me esqueci.


Talvez os humanos não estejam familiarizados com o fato, mas existe mais de um de nós.

Levar almas não é exatamente uma tarefa fácil e nós não temos cinquenta braços. Muito menos a habilidade de estar em duzentos lugares ao mesmo tempo.

Então, nesse caso, um pequeno exército costuma ajudar.


 A questão é que não tinha mais nada para fazer ali e Jason já estava me irritando. Normalmente ele alcançava o meu limite bem rápido.

Era a minha deixa.

Hora de partir.


 -Posso saber aonde você vai? – Jason perguntou quando eu me levantei sem lançar nenhuma palavra de baixo calão a ele. Esse não era um evento exatamente recorrente.

-Não.


 E então eu desci para a Terra.

O homem que me chamava de anjo [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora