Capítulo onze, sobre dúvidas

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Parecia que algumas delas estavam brotando em minha mente e fazendo dali uma espécie de resort de férias.

Eu deveria expulsá-las, despejá-las como o esgoto que eram.


Era o que eu queria não era?

Claro que era.


Em mais algumas horas eu estaria livre daquele humano irritante de nome idiota. Insuportável.

E tudo seria lindo outra vez.


Ou não.


Uma observação:

O tempo tem o péssimo hábito de passar com uma velocidade inversamente proporcional com a que você quer que ele passe.


E o sábado havia chegado.

Inexoravelmente.

Irremediavelmente.

Como eu queria.


Ou achava.


Acompanhei o comboio de longe, eu não precisava me apressar.

Vi a menina dos cabelos espetados liderar o grupo de mãos dadas com o garoto moreno, fato que pareceu não agradar meu humano idiota.


Que surpreendente.


Decidi me aproximar para ver o que eles estavam cochichando e me arrependi.

Claro.


- Por que ele veio, Henry?

Sempre a mesma pergunta, sempre as mesmas explicações.

É incrível como os humanos conseguem se tornar tão entediantes ao fazer perguntas que eles mesmos sabem as respostas.


É quase uma necessidade.

Uma obsessão.

Algum defeito da espécie que passou despercebido pela seleção natural.


Lamentável.


Decidi continuar observando-os de perto.

Eu descia e subia entre os galhos das árvores, me esgueirando entre eles sem que notassem minha presença.

Para cima.

Para baixo.

Às vezes tão perto de seu rosto que eu quase conseguia senti-lo em meus lábios.


Quentes.

Macios.

Alheios.


Até que ele parou.


- Quero voltar.


Isso. Faça isso, humano, siga seus instintos.

- Deixa de ser idiota, Ian, essa pode ser a sua chance.


Ora, não, não, não.

Mas poderia ser a minha.

Visualizei-me chegando ao lugar parecido com o céu com a alma errada nas mãos.

O loiro ao invés do moreno.

Precisei contorcer o rosto quando percebi que podia sorrir.


Meu humano revirou os olhos e bufou.

Daquele jeito insuportável. Daquele jeito tão irritantemente perfeito que eu precisei olhá-lo nos olhos.


Alguns centímetros. Eu poderia acabar com aquilo ali, seria mais fácil.

Senti meus dedos pedirem, formigarem, eles queriam tocar aquela alma que eu detestava tanto.

Queriam tê-la para si.

Precisavam.


- Andem!


Era a menina do cabelo espetado e eu escorri até ela.

A imagem de uma alma errada em meus braços gritou mais forte. Uma martelada em minhas têmporas.

Mas não, eu não podia.

Não era ela.


Era meu humano idiota.

E não havia nada que ninguém pudesse fazer a respeito.

O homem que me chamava de anjo [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora