Treze.

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Kaira 🦋

Sutz: Vamos cara, tu arruma um emprego e eu vou mantendo as coisas até você se estabilizar. - A Andryeli tava tentando me convencer a ir morar com ela em alguma casa aqui no morro, porém eu estava receosa por não trabalhar ainda. - Tenho uma grana guardada, tudo do dinheiro que sobrava quando eu ia pagar meus materiais na faculdade. - Dei risada. - Juntava o que restava, sabia que ia usar algum dia... Então, bora? - Fiquei em silêncio por breves segundos.

Kaira: Vou ver e te falo. - Ela semicerrou os olhos pra mim. - É sério garota, vou ver e até o final do dia a gente resolve isso, feia. - Eu a levei até o portão de casa.

Sutz: Tenho que ir trabalhar, hoje é meu primeiro dia e não quero me atrasar. - Eu concordei, estava muito feliz por ver ela conquistando suas coisas. Só nós duas sabemos o quanto a mesma batalhou pra estar aqui, o tanto de porrada que já levou, não só do ex, mas também da vida.

Kaira: E meu tio? - Me escorei nas grades do portão. - Ele tá mais de boa? - Negou.

Sutz: Mesmo cabeça dura de sempre, mas com o tempo ele aceita melhor. Bom, vai ter que aceitar, até porque eu não vou desistir mais das minhas coisas, muito menos atrasar o meu lado apenas por não estar agradando as vontades dele. - Sorriu fraco.

Kaira: É assim mesmo nega, ja já ele desencana. - Ela assentiu meio cabisbaixa, nós nos despedimos e logo em seguida eu entrei. - Tu não vai trabalhar hoje? - Bati de frente com o meu irmão jogado no sofá enquanto comia e assista algo na TV.

HG: Só mais tarde. - Dei de ombros e tirei seus pés dali, me sentando. - Pô preta, tô cansadão. - Choramingou e eu fiz um coque no cabelo.

Kaira: Ih cara, vai dormir lá no quarto. - Ele me mandou o dedo e eu estirei língua. - Deixa de ser feio, garoto feio. - Deu um tapa na minha coxa e quando eu ia me levantar pra devolver, o mesmo saiu correndo, me fazendo gargalhar alto.

Gosto muito desse moleque, mesmo ele tendo se desviado tanto da igreja. O Hugo era meu irmão do meio, só ficava atrás do Wanderson, que tem 43 anos, é casado e mora em outro estado fora do Rio. Eu era a caçula, até o Nicolas nascer, meu outro irmão de 7 anos.

É, acho que minha mãe se empolgou um pouquinho...

Me dou bem com todos, porém sou mais próxima do Hugo e do Nicolas, por conviver sempre. O Hugo largou a escola com 13 anos, e desde então nunca mais voltou. Ele já andava com os meninos daqui da favela antes, até desconfiávamos que se drogava, e o tempo só foi confirmando até o mesmo entrar pro movimento.

A família toda se chocou, principalmente os que julgavam tanto. Porém o Hugo é bem ciente da onde esse caminho pode dar, meus pais já avisaram sobre isso. Só que às vezes, as pessoas fazem coisas sabendo que podem matá-las, mas não porque querem morrer!!

(...)

Sutz: A gente vai se dar muito bem, vamos nos ajeitar aos poucos, tu vai ver... - A Andryeli ficou toda animada quando eu contei que aceitaria ir morar com ela. Inclusive, iria adiantar minha vida amanhã cedo, procurar um emprego e focar naquilo. Custei pra aceitar, pensei e repensei a tarde toda sobre essa possibilidade, até decidir arriscar.

Essa mulher é muito inspiração pra mim, tanto em determinação quanto em bravura. Olhando assim eu vejo a importância do quanto nos faz bem se aproximar de pessoas que motivam a gente a dar o nosso melhor todos os dias...

Vim no serviço dela antes do seu expediente acabar, para irmos direto até a boca resolver a questão do aluguel com o Ávila. Tivemos que ir sem ninguém saber, porque se sonhassem com isso, certamente nos condenariam até o dia da nossa morte, e olha que nem estou falando no sentido figurado.

Chegamos na principal e como de costume, tinham vários garotos lá; uns fumando, outros nas lajes e alguns cercando os seus chefes.

Kaira: Tem certeza que quer isso? - A Andryeli assentiu e me puxou pelo braço. Quando nos aproximamos deles, todos nos olharam de cima à baixo, o que fez meus músculos se contraírem.

O olhar do Talibã se bateu com o da Andryeli, que encarou ele com a mesma postura.

Sutz: Posso conversar com você? - Indagou pra ele, que apenas fez um sinal com a cabeça para ela o acompanhar. - Eu já volto. - Segurei em sua mão. - Confia em mim. - Olhou nos meus olhos e eu apenas concordei, vendo a mesma se afastar dali.

Dei as costas pros garotos e paguei de doida mesmo. Puxei o celular do bolso, como quem estivesse com internet pra alguma coisa, porém só queria disfarçar. Fiquei alguns minutos mexendo na galeira, até sentir passos de alguém se aproximando.

Ávila: Tá precisando de alguma coisa? - Me virei, dando de cara com o AL parado na minha frente, mesmo jeitinho largado e sério de sempre. Eu guardei meu celular no bolso e neguei com a cabeça. - Se precisar, tu sabe onde me encontrar, nega. - Sorri e agradeci ao mesmo.

Kaira: Vou ir morar com a Andryeli. - Ele encostou em um muro atrás de mim, fazendo com que ficássemos frente a frente.

Ávila: Isso aí pô, tá conquistando teus bagulhos. - Apoiou sua mão no fuzil que estava atravessado nas suas costas e eu virei o rosto. - Fui um idiota. - Disse de imediato e eu o fitei novamente. - Às vezes as pessoas agem por impulso e fazem coisas idiotas, mas isso não significa que você deva parar de falar com elas, tá ligada?

Kaira: Isso é passado, Felipe. Não mexe em uma coisa que você sabe que pode te ferir novamente. - Meus olhos lacrimejaram.

Ávila: Mas você entende que eu só quero me desculpar, correto? - Assenti. - Hoje em dia ela tá noiva. - Não contive meus risos na hora que ele disse aquilo. - Falei algum bagulho engraçado pra tu tá me levando a pagode? - Prendi a risada e me recompus.

Kaira: Olha, isso já tá lá atrás, não adianta mais colocar em pauta. Eu tô vivendo, tô bem, se preocupa não. - Vi a Andryeli voltando e acenei para ela vim até mim. - Foi bom falar contigo, qualquer dia a gente se esbarra de novo. - Passou a mão na nuca e ajeitou sua postura.

Fora as vezes que ele tinha suas crises de possessividade, até que era um moleque engraçado. Uma pena que valha tão pouco quanto suas cantadas fúteis...

Ávila: Fica bem, preta. - Sorriu e se afastou, indo na direção dos meninos.

Sutz: O que foi? - Chegou pra perto de mim e eu soltei todo o ar que estava prendendo.

Kaira: Conseguiu? - Assentiu. - Então vamos embora antes que o Hugo nos veja aqui. - Ela concordou e nós demos uma encarada para trás, vendo algumas mulheres se aproximarem do local onde os garotos estavam.

Demos de ombro e subimos a rua, rumo a nossa casa.

***

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