Andryeli 💝
Minha família decidiu fazer um churrasco para comemorar o aniversário do meu primo mais novo. Eu estudo em período integral, minhas aulas são alternadas, e como hoje foi de manhã, fiquei livre o resto do dia.
Não vejo a hora de concluir esse ciclo exaustivo. A faculdade tem fases doloridas, não fisicamente, mas sim no psicológico. São muitas emoções, fora o medo de errar e a ansiedade de chegar ao fim e finalmente se formar.
Foram madrugadas estudando para ser aprovada e conseguir a bolsa. Eu chorava e fazia resumos imensos, as paredes do meu quarto eram lotadas de matérias. Eu me dediquei! Fui atrás, e não permito que ninguém desmereça minha correria.
Esse mérito sempre será meu!! Não precisei de homem, muito menos dos meus pais, exceto na ajuda da compra dos materiais de início. Usei a mente e maturidade que fui adquirindo com os anos.
- Qual foi tia, me ajuda. - Um menino chegou correndo, ele tava em desespero e suas mãos continham saquinhos de origem suspeita. - A polícia tá vindo, eles não podem me ver com isso. Eu só tenho 13 anos. - Nós estávamos próximo à entrada.
Nem tive tempo para reagir a essa fala dele. Quando me dei conta, dois policiais vinham subindo a rua. Ambos usavam uma touca preta, que deixava apenas seus olhos à mostra.
- Eu vi tu metendo o pé, neguinho. - Falou um deles, se direcionando até nós. A favela as vezes é muito injusta, porque não importa o quão inocente você seja, se estiver no lugar errado com as pessoas erradas, o barulho respinga no seu colo também.
- Me solta, caralho. - O rapaz alto veio na direção dele, e no calor do momento acabei pegando as drogas que o mesmo escondia atrás da bermuda e coloquei dentro do meu sutiã.
O garoto se agarrou nas minhas pernas então eu não sabia como reagir.
Sutz: Ele é meu filho, deve ter ficado assustado com a correria. - Senti a pressão que suas mãos faziam ao segurar minha coxa.
- Você é muito nova para ser mãe de vagabundo. - Me rebateu. - Vasculha o moleque. - O outro policial tirou aquele menino de mim de forma abrupta, fazendo ele encostar na parede.
Me doía ver essa cena! Pior do que lê nos noticiários, é ter que presenciar tal ato. Em cada esquina do Rio de Janeiro você encontra um futuro jogador, moleques com talento. A parte ruim disso tudo é que em cada esquina você também encontra um deles tendo o sonho interrompido!
- Ele tá limpo. - Eu soltei o ar de angústia dos meus pulmões e sentia meu peito subindo e descendo freneticamente. - Cuidado com quem você acoberta, moça. Pássaro que dorme com morcego, amanhece de cabeça pra baixo - Depois daquelas palavras saírem de sua boca, eu engoli seco e levei o garoto dali.
- Valeu colega, tu me salvou de uma casca grossa. - Ele botou as mãos no joelho e respirou fundo. Eu estava completamente paralisada.
Trem Caro: Qual foi a da vez sagaz? Porra, deixou todo mundo esperando. - Veio com seu fuzil cruzado no peito e o cabelo tingido de reflexo.
- Os cana me deram uma dura. Se foder, quase fui pego. - O olhar do rapaz se cruzou com o meu.
Trem Caro: Entrada de favela não é lugar para ficar desfilando. - Franzi o cenho.
- Relaxa jogador, ela me ajudou a meter migué.
Trem Caro: E cadê o bagulho? As cargas não vão chegar mais tarde, polícia tá fechando rodovia. Temos que nos virar com essas até amanhã de manhã. - O menino me encarou e eu saí daquela onda de pensamentos, tirando diversas buchas do sutiã em seguida. - Que isso cara...
Sutz: Eu tentei ajudar, mas não vai se repetir. - Dei aqueles sacos na mão dele.
Trem Caro: Não sabia que teu sutiã era entocador de droga. - Revirei meus olhos e fui andando. O moleque me sussurrou um "Obrigada" e eu apenas continuei meu caminho, ainda sem saber o porquê tinha feito essa grande merda...
Rosana: Demorou à beça ein Andryeli. Tava quase pedindo pro seu pai ir te buscar. - Não respondi ela.
Kaira: O que rolou? - Tentei disfarçar porém falhei. - Você não me engana garota, solta o verbo de uma vez. - Segurei em seu braço e a levei até o quarto da minha tia.
Sutz: O que eu vou falar tem que morrer aqui, senão eu tô muito ferrada. - Ela assentiu. - É sério, nem o Hugo pode saber.
Kaira: Não tem nenhuma menina de 5 anos aqui, Sutz. - Eu concordei e comecei a contar o que havia acontecido. - Você é doida? - Seu rosto continha total negação. - Dar cara a tapa por bandido.
Sutz: O moleque era uma criança, Kaira. Ele podia tá brincando, mas tava descarregando droga para sobreviver.
Kaira: Criança que já porta fuzil e fica de ponta em ponta não é mais criança! Você tá ligada como as coisas aqui funcionam, não tenho que ficar te lembrando.
Sutz: Foi um erro, do qual eu não cometerei mais. - Mordi meus lábios.
Kaira: Eu acho muito bom, tanto para sua segurança quanto da nossa família... Não entra nessa furada de novo cara. Vagabundo só se importa com o deles, já tive uma péssima experiência com o...
Sutz: Ávila. - Completei sua frase. - É, eu me lembro. - Passei a mão na minha testa franzida.
Kaira: Então cessou! Vive sua vida, deixa esse povo de lado. Promete que vai fazer isso? - Assenti, porém algo dentro de mim tava dizendo que eu iria me arrepender. Parece que quanto mais eu corro, mais esse perigo me atrai...
Nós voltamos para o quintal e todos estavam animados, conversando e festejando. Amava ver minha família unida assim.
Um tempo depois o churrasco acabou e eu fui ajudar minhas tias ajeitar a casa. Tava indo levar meus pais embora e vi o Talibã em cima de uma XRE, conversando com os meninos.
Rosana: Tenho nojo desses caras. - Disse ríspida. - São um atraso nessa sociedade.
Sutz: Para de julgar, mãe. - Repreendi ela.
Rogério: Você defendendo marginal, grande novidade... - Meu pai me olhou com nojo, como se eu fosse um ser humano totalmente diferente dele apenas por discordar de sua opinião.
Sutz: É, eu defendo vagabundo. - Minha mãe apertou meu braço.
Rosana: Andryeli... - Interrompi sua fala.
Sutz: Eu tô cansada de ver vocês tentando calar minha voz. Sim pai, diferente de você eu não sou duas caras. Acredito que todos temos a chance de mudar e não julgo os meninos que levam essa vida. Pelo menos eles não precisam fingir ser algo para falar o que bem querem na cara das pessoas. - O Talibã mirou sua atenção em nós e começou observar toda cena.
Rogério: Sinto vergonha de ser seu pai. - Suas palavras me atingiram como uma punhalada no coração.
Sutz: Eu que sinto vergonha de ser sua filha. - Senti o tapa da minha mãe pesar sob o meu rosto. - Seu tapa doeu menos do que a frase dele. - Meus olhos lacrimejaram.
Talibã: Ambiente de lavar roupa suja é em casa. - Chegou perto da gente. - Quer educar, educa sua filha no privado, mas respeita a molecada na rua.
Rogério: Eu não tenho mais uma filha, e mesmo se tivesse, ela já sabe se virar sozinha. - Me olhou com desdém.
O Talibã não respondeu mais nada, então eu apenas pedi espaço para passar e ele abriu, me permitindo ir embora.
Eu saí me sentindo envergonhada com o showzinho que meus pais deram, mas o que mais me atingiu foi ouvir ele falar que não tinha mais uma filha.
Aquilo valeu mais do que dez tapas ardentes!
***

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Ambição
FanfictionTrês mundo, três histórias. Andryeli se vê no meio de relações conturbadas e perigosas. Ela, que sempre foi uma jovem devota de suas crenças religiosas e convicta em suas ideias direitistas, é confrontada com sentimentos avassaladores ao se envolver...