Talibã🚩
Ali estava o motivo do meu pior pesadelo, talvez até o meu maior ponto fraco. Aquele ponto que eu sempre tentei esconder de todos, para que assim ninguém me alcançasse.
Eu vi uma vez e desviei meu olhar pra parede, tentando entender se aquilo era real ou pesadelo. Mas não, era tudo real mesmo. Dentro da caixa tinha a cabeça de uma menina, e só pelos traços eu já pude perceber quem era. Yasmin!
Naquele instante, a raiva cresceu, inundando cada fibra do meu ser. Sentia repulsa, enquanto tentava desvendar quem seria capaz de cometer tal ato.
HG: Não tem só isso não. - Franzo o cenho ele estende o celular pra mim.
Talibã: Que porra... - Ao ver do que se tratava o vídeo, as palavras foram perdidas, me fazendo não completar o que eu iria dizer.
HG: Quando a gente viu o que era, paramos de assistir. - Retrocedeu alguns passos, e ao erguer meu olhar, percebi meus punhos cerrados e meus músculos contraídos.
Era um vídeo totalmente obceno que fizeram com a minha irmã antes dela morrer. Aquelas cenas me atingiram com mais intensidade do que um tiro, e olha que eu sei bem como a dor de um tiro funciona.
Mete Ficha: Quem fez isso vai ter a cabeça cortada! - Ele perdeu o controle e arremessou o celular no chão, fazendo todos da sala se calarem e o celular ser destruído em pedaços.
Talibã: Quero a ficha completa de quem tá envolvido. E se por um acaso eu descobrir que foi alguém do bando do Raro, ele acabou de entrar em uma comigo. - Meu coração implorava por alívio internamente, mas mesmo diante de tudo aquilo, eu compreendia que não podia revelar nada do que sentia.
Um homem sábio jamais vai deixar que descubram o seu ponto fraco, e certamente não permitirá que o vejam atingido, como eu estou agora.
Mete Ficha foi fazer uma ligação e eu saí daquela sala, prendendo todo o ar que ainda tinha. Estufei o meu peito e fui pra casa com a cabeça erguida, porém não durou muitos minutos para aquela pose se desmanchar assim que eu já não estava mais na rua...
Porra, sempre fui um cara que nunca fez questão de nada, mas dela eu fazia. Era a minha irmã, a única memória que eu tinha da minha mãe, a única herança que me restou.
Lá fora eu precisava me manter, porque aqui é assim, tu não pode mostrar sua debilidade pra eles. Por mais que caminhem ao seu lado, é daí que a traição pode vim, até porque ela nunca vem de estranhos.
Subi as escadas e deixei claro que não queria ninguém aparecendo aqui. Preciso de um tempo sozinho, para pensar e botar isso pra fora. Pelo menos eu tenho que tentar...
Passei em frente ao quarto que ela ficava quando vinha pra cá e a porta estava parcialmente aberta. Eu me aproximei e fitei sua cama lotada de ursos e todas essas maluquices que criança gosta. Me sentei e peguei em seu travesseiro, que ainda continha o cheiro dos seus cabelos. Dava nem pra dizer que não era, aquela lá gostava à beça de cuidar daqueles cachos.
Meu olhar se fixou numa gaveta, e optei por abri-la, deparando-me com uma coleção de desenhos. Folheei uma a uma até me alarmar com um que ela havia feito especialmente para mim. Achei que tivesse perdido, mas aparentemente, ela deve tê-lo encontrado e guardado aqui.
Aquela garotinha era esperta demais...
A cada folha que eu passava, uma lembrança vinha à tona, fazendo lágrimas rolarem pelo meu rosto, e quando eu vi, já tava lá chorando igual um bebê.
Talibã: Por que você me deixou, ein garota? - Não entrava na minha cabeça que ela não tá mais aqui, que eu nunca mais iria vê-la sorrindo, brincando ou estudando em algum canto da casa.
Ficava me perguntando se realmente existia um Deus, e se existisse, o porquê dele permitir que eu esteja passando por isso. Ela era uma menina nova, geralmente dizem que Deus protege todas essas crianças, mas por que não a minha irmã?
Ela não merecia o final que teve, e de certa forma eu me culpo, porque no fundo sei que a mesma era digna de uma família melhor.
Talibã: Desculpa se eu não consegui te proteger de tudo. - Me sentei no chão e fiquei vendo uma foto dela, que estava em um porta-retratos.
Permaneci várias horas naquela mesma posição e com as mesmas perguntas em mente. Me lembrei de uma vez que ela era pequena e ainda não sabia andar de bicicleta, e quem estava lá ensinando era eu.
Mas o mais engraçado é que ao crescer, quem me ensinava era sempre ela. Me ensinava a ser uma pessoa melhor e a ter o mínimo de piedade com os demais ao meu redor. Ela era o único vestígio de humanidade que havia em mim.
Porém agora que se foi, não vejo mais motivos para isso, não vejo mais o porquê ter pena das pessoas, se não tiveram pena dela. Afinal, era apenas uma criança...
Mas de uma coisa eu sei, quem fez isso vai pagar muito caro, e com certeza será com a vida. Faço questão de derrubar um por um, mesmo que para isto, eu precise ir junto!
Enxuguei minhas lágrimas ao me levantar. Guardei os desenhos dela e deixei sua foto sobre a mesa. Estava prestes a sair do quarto, mas algo no canto do móvel capturou minha atenção: papéis dobrados.
Peguei os papéis e, ao abri-los, deparei-me com várias equações matemáticas diferentes. Soltei uma risada desanimada, lembrando o quanto aquela menina apreciava resolver esses cálculos. Até chorava quando não entendia.
No canto da folha estava escrito: "Obrigada, tia Dryeli!", com um coração do lado e sua letra toda redondinha, devido às inúmeras caligrafias que ela praticava.
A menina que estava com ela no dia que deixei a mesma lá na açaiteria veio na minha mente. Olhei pro papel e para aquelas contas umas mil vezes, pensando se faria ou não isto. Por fim, eu sabia que era assim que a Yasmin queria que acontecesse, tinha consciência que não era justo deixar a garota sem respostas. Então peguei o papel e a chave da moto, indo até o lado de fora da casa.
Talibã: Chega aê... - Mantive a postura novamente e não me permiti manifestar nenhum sentimento, como sempre faço. - Sabe onde a prima do HG mora? - Indaguei o Ben10, que logo assentiu.
Ben10: Na descida da rua de trás, mas essa hora ela deve estar na igreja. - Enrrugo a testa. - Pai dela é pastor. - Agora tudo fez mais sentido: a roupa, o modo de andar e a cara de leiga.
Talibã: Igrejinha? - Coloquei a chave na ignição e ele negou.
Ben10: Na esquina da rua da casa dela. - Eu assenti e acenei com a cabeça em forma de agradecimento, saindo dali.
Tô ligado que ele queria me questionar sobre a morte da Yasmin, porém o mano já tem a visão de que eu não dou abertura pra esse tipo de assunto. Odeio expor minha vida e principalmente sentimentos dessa forma...
Cheguei em frente a tal igreja e parei minha moto do outro lado da rua. Vi que o culto ainda estava rolando e decidi esperar. Me escorei na moto e passei as chaves no pescoço, joguei a bandoleira pro lado e fiquei mexendo no celular.
A real é que eu nem tava com cabeça, só queria passar o tempo até a hora desse culto cessar, e te falar, achei que não ia terminar nunca.
Estava quase desistindo e prestes a voltar para casa, mas ao avistar um grupo saindo, desci da moto e me aproximei da entrada, na esperança de encontrar aquela menina.
Não cheguei muito perto, devido ao fato de estar cheio de gente saindo e eu estar portando arma. Por mais que na comunidade só dê isso, prefiro sempre manter o respeito.
Examinei cada pessoa até que meu olhar se fixou em uma morena de cabelos longos, cujo olhar se destacava dos demais. Sabia que era ela. Vestida com um vestido e salto, seu sorriso irradiava de orelha a orelha enquanto conversava com outra mulher, provavelmente uma parente.
Por alguns instantes, fiquei perdido, até lembrar o motivo real de estar ali. Acenei para ela, que, após algum tempo, me olhou com uma expressão confusa, sem saber como reagir.
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Ambição
Hayran KurguTrês mundo, três histórias. Andryeli se vê no meio de relações conturbadas e perigosas. Ela, que sempre foi uma jovem devota de suas crenças religiosas e convicta em suas ideias direitistas, é confrontada com sentimentos avassaladores ao se envolver...