Capítulo Um

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Theodoro Vinro:

Quando eu era criança, minha avó sempre inventava histórias fascinantes ou compartilhava estratégias sobre como enganar as pessoas e lidar com as minhas mentiras para nunca ser pego ou enganar quem contasse uma mentira para você. Agora, neste instante, recordo-me de suas palavras, alertando-me sobre os segredos das pessoas e a importância de cuidar para que o meu maior segredo não fosse descoberto por qualquer pessoa e soubesse usar contra mim.

Ela era uma senhora bem sábia.

Em alguns dias, minha avó conseguia desvendar qualquer segredo que alguém pudesse esconder ou tentasse manter oculto. Em outros, ela fingia não saber, proporcionando-me uma falsa sensação de vitória contra ela. Mantivemos nossas conversas semanais até os meus quinze anos, quando um dos segredos dela a levou a ficar doente e a mesma se recusou a ir ao médico para se tratar.

No momento seguinte, ela já não estava mais presente na minha vida, fazendo-me perceber que eu estava vivendo no campus da escola que ela sempre rotulava como destinado a pessoas arrogantes. Mas a mesma deixou dinheiro para pagar as mensalidades até que eu me formasse.

Foi isso que me disseram, mas que o resto do que ela deixou para mim só seria entregue depois que atingisse a maior idade. Até já falecida ela tinha os segredos dela.

— É sua vez, jovem rei — uma voz grave me trouxe de volta para o presente. — Não tenho a tarde toda.

— Não sou um rei, odeio que me chama desse jeito para me distrair — respondi, deslizando um dos meus cavalos. — Sua vez, velho ancião.

Fred Dawson fechou a cara. Na verdade, eu não sabia o quão velho ele era e não tinha ideia de como ele se tornou um sem-teto, passando a morar no parque onde jogávamos xadrez todas as tardes. O que eu sabia era que ele era um adversário formidável no xadrez. Ele me chamava para jogar todas as vezes que passava por aqui, desaparecendo de manhã e à noite quando eu voltava por esse caminho nesses dois períodos. E sempre surgia novamente na tardezinha seguinte, me convidando para mais uma partida.

— Você é terrível, reizinho — ele resmungou, espiando o tabuleiro. — Acaba sendo muito cruel.

Três movimentos depois, eu o tinha encurralado.

— Xeque-mate. Você sabe o que isso quer dizer, Fred. — Falei com um sorriso surgindo nos lábios.

Ele me olhou feio, mas um sorriso brincou em seu rosto.

— Preciso aceitar que você pague o meu almoço e ainda contar uma história do meu passado. — Ele disse e assobiou. — Sempre me ganhando, jovem rei.

Eram esses os termos da nossa aposta contínua. Quando eu ganhava, ele não podia recusar a refeição grátis, e ainda era obrigado a compartilhar uma história, que poderia envolver seu passado ou não.

Acreditar ou não era uma questão à parte, mas eu apreciava ouvir suas histórias. O modo como ele as contava lembrava muito um narrador de dramas, aventuras e, ocasionalmente, histórias fantásticas.

Em minha defesa, era bastante gratificante, especialmente ao ver como ele ficava animado contando essas narrativas. Mas também era bom ter um adulto me contando história e me fazia voltar a uma época onde tudo era bom para mim.

— Você sempre ganhando, vossa excelência — Fred disse balançando a cabeça.

— É bom demais ser o rei — respondi cruzando os braços.

Fred soltou uma risada rouca, concordando com um aceno de cabeça.

— Pode ser o rei do xadrez, mas isso não o faz invencível, jovem monarca. — Ele fez seu próximo movimento no tabuleiro, preparando-se para virar o jogo. — Ainda há muitas histórias para contar e partidas para jogar, e quem sabe, talvez um dia eu vire o jogo a meu favor.

Livro dos ocultosOnde histórias criam vida. Descubra agora