VOLTANDO AO PASSADO

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Matheus Molina

Como não ficaríamos o período inteiro, o terceiro dia de acampamento passou voando.
Já estávamos de volta a cidade fazia horas. Descemos todos no abrigo, mas eu não fiquei tempo suficiente, para falar ou me despedir de ninguém. Assim que pisei em solo firme, fui para meu apartamento.

A mescla entre passado e presente, estava me deixando abobalhado e com as faculdades mentais abaladas. Minha garganta ardia, tamanha era minha vontade de gritar.

Estava deitado no sofá, na mesma posição, há horas.
Meu celular vibrava algumas vezes, mas minha vontade de me manter excluso no momento, era maior.

Mas, de repente meu sossego acabou. A porta do meu apartamento se abrir, revelando Vinícius á minha frente.

- Como conseguiu abrir a porta ?
Ele apenas chacoalhou um molho de chaves. - Você fez uma cópia?
Seus olhos se reviraram.
- Não! Você esqueceu elas na fechadura, no lado de fora.
- Puta merda! - Xinguei, ao me levantar e bater com a palma da mão na testa. - Eu tô ficando louco.
Meu amigo sentou ao meu lado.
- O acampamento foi tão ruim assim?
- Muito pelo contrário, foi ótimo.
Semicerrou os olhos e me encarou
- Sério? Por que sua cara diz outra coisa?
Suspirei, pesadamente.
- Porque mexeu comigo.
- Eu não estou entendendo ....sua voz morreu, assim que me observou mais de perto. - Pera ai! A Fernanda tem alguma coisa haver com isso? - Arqueou a sobrancelha.
Joguei a cabeça para trás, atingindo o encosto do sofá.
- Eu gosto dela. - Confessei entre suspiros - Gosto das nossas conversas, de ouvir sua risada - abri os olhos lentamente, colocando Vinícius no meu campo de visão. - E o sexo, é incrível.
- C A- R A- C A - soletrou sílaba por sílaba - Pra você, estar falando isso, é porque a coisa ....
- A coisa é complicada - o interrompi. - Porque eu ainda amo a Lia.
Uma almofada acertou meu rosto
- Porque vez isso Belmonte ?
- Porque você é burro demais. -Balançou a cabeça negativamente - E teimoso também.
- Eu sozinho consigo me xingar, não preciso de você.
Jogou os braços pra cima, e me encarou
- Como quiser. Mais diz ai, vai fazer o que?
- Tomei algumas decisões, e entre elas esta ficar longe da Fernanda, me afastar!
Seus olhos me olhavam com atenção - Preciso retomar minha sanidade.
- Avisou isso pra ela?
Apenas fiquei em silêncio.
- Você tá ignorando ela, né?
Acendi.
- Ela que é só tem 18 anos, e é você que age que nem moleque?
- Me deixa em paz, tá? - Pedi, cansado.
- Faça o que quiser. - Bateu uma mão na outra. - Eu não digo mais nada.





(...)




Ao 12:00, de uma quinta feira, á exatos 15 dias, da última vez que vi Fernanda Sanchez, uma mensagem chegou.

" Vai me ignorar pra sempre?"

Encarei a pergunta por um tempo, mas assim como as outras, não respondi.
Estava ansioso e com medo. E isso só piorou quando um guarda apareceu, trazendo consigo, um homem descabelado, que me olhava assustado.

- Filho ?

Engoli em seco com a menção, segurando a respiração.

- O que faz aqui? - Perguntou, agora já sentado á minha frente.
Inclinei o corpo e o encarei fixamente.

- Eu só preciso saber, porque? Só me diz por que? -Deixei uma lágrima escapar. - Porque DIABOS, fez tudo o que fez?

José Alfredo Molina, suspirou.

- Me perdoa! Me perdoa! Eu sempre te amei.
Soltei uma risada irônica
- Não me subestime. Sei como tudo se deu.
- Mas não conhece a essência das coisas.
Juntei as mãos, e me joguei sobre a cadeira.
- Então me conte. Mas diga a verdade, porque essa é a primeira, e última vez, que venho aqui.

Seu maxilar travou, seus olhos caíram sobre mim, e uma veia pulsou em seu pescoço.
Vi como puxava o ar, para começar seu relato.

- Eu sou gay. -Engoliu em seco - Meu pai nunca aceitou esse fato. Constantemente me batia, até mesmo depois de mais velho. Ele me insultava, desdenhava... chegou a me amaldiçoar e fazer sessões de descarrego. Até que morreu. - Soltou uma risadinha nervosa - Pensei que enfim, teria paz. Mas, aí o testamento foi aberto. Eu só poderia ter o direito a fortuna dele, se me case com uma MULHER, e tivesse um filho. - Me encarou aflito. - Era muito dinheiro, e eu já tinha sofrido muito na mão daquele homem. Eu merecia. -Jogou a cabeça para trás e respirou fundo. - Conheci sua mãe através de um amigo em comum. Ela estava grávida e não tinha dinheiro. Para ajudar, os pais estavam muito doentes, e precisavam de um tratamento caro. -Buscou pelos meus olhos - Ofereci um casamento por conveniência, e ela aceitou. Foi prático.

- Prático ? -Repeti em tom acusatório.
- Isso! Foi prático. -Respondeu de modo firme.
Aproximei meu rosto do dele, debruçando um pouco em cima da mesa.
- E quando passou de ser a vítima - fiz sinal de aspas com os dedos - e se tornou o Vilão? -Olhou em volta, depois para mim.

- Conheci a Suzana em um bar. -Fez uma pausa - Ela me ofereceu uma bebida, começamos a conversar, e eu acabei contando que era gay, e toda a história. - Cruzou os braços - Na época eu tinha acabado de assumir um cargo público. Em uma noite, ela me apresentou um cara, eu acabei indo para cama com ele, em um motel de estrada. -Passou as mãos pelo rosto - A Suzana filmou tudo, e começou a me ameaçar. Seria um escândalo se vazasse o vídeo. Eu já tinha sofrido muito por ser quem eu era, não poderia passar por tudo de novo. Por isso, desde aquele dia, eu a ajudei em tudo. Aquela mulher entrou na minha cabeça, me motivou a fazer coisas horríveis - Me observou- Ela tinha uma filha da sua idade, que odiava. - Começou a se balançar na cadeira - Isso eu nunca entendi, porque mesmo você não sendo do meu sangue, eu te amava. -Uma lágrima escorreu pelo seu rosto - Eu te amo.

Mordi os lábios, e fechei as mãos, filtrando toda minha raiva ali.

- Você pode me odiar Matheus, mas, apesar dos meus erros e pecados, eu sempre fui um bom pai.

- Claro, por isso fez o Lucas se matar! - cuspi com raiva.

Ele começou a chorar.

- Eu não queria que ele fizesse isso. Eu o Ama...
- CALA A BOCA - gritei ao me levantar, e espalmar as mãos na mesa. - Não se atreva a dizer que o amava. Ele foi concebido, porque VOCÊ estrupou a minha mãe.
- É verdade! e me arrependo disso, todos os dias.
- Ah sim, por favor. - desdenhei.
Ele se levantou, para ficar frente á frente comigo.
- No dia que aconteceu, Suzana havia me embebedado, e de algum jeito, feito eu transar com ela. A Desgraçada queria engravidar a todo custo pra segurar o novo marido, e me usou. Quando eu percebi, fiquei com ódio, e fui beber mais. - Deu um passo para trás - Chegando em casa, em vez de ver sua mãe, eu vi o rosto da maldita, e eu queria fazê-la pagar. Então, eu a garrei, a arrastei pela casa e .... - sua voz morreu ao olhar nos meus olhos. Ficamos em silêncios por alguns minutos. - No dia que o Lucas veio aqui, confessei tudo para ele, porque, eu aprendi a amá-lo, e não queria mais que vivesse em uma mentira. Depois, eu pedi perdão. E ele me perdoou. - Balançou a cabeça- Nunca pensei que tiraria a própria vida, em seguida. Acredita em mim - suplicou.

Tudo em minha volta parecia rodar.
Minhas pernas pareciam não conseguir me sustentar, e lágrimas começaram a rolar.

- Porque eu acreditaria em você ?

José Alfredo colocou a mão em um dos bolsos, e tirou um papel de lá.

- Recebi essa carta um tempo depois de saber da morte dele.
Estendeu a folha para mim.

Com as mãos tremulas, a peguei.
A letra claramente, era a do meu irmão.
Foquei a visão para ler suas palavras:

" Obrigado pai, por me contar a verdade. Sinto que finalmente estou livre. E apesar de todos os seus pecados, eu te perdoo. Sei que existem batalhas, que nascemos para perder. Eu mesmo nasci para morrer em combate. Por isso, não se assuste, e nem fique triste com a minha ausência. Minha missão foi cumprida. Para você, fui o erro que lhe daria a oportunidade de mudar. Para mamãe, a força de se reconstruir. Para o Matheus, o sentimento, e para o Jhon a força do verdadeiro amor. Pela primeira vez na vida, estou em paz com minha vontade de morrer. Mas agora eu entendi o motivo. Adeus! - Lucas "

Cambaleei até a cadeira e sentei.
Agarrei meus cabelos e os puxei com força.
Senti dois olhos sobre mim.
- Eu liguei pra casa, pra contar da carta. Mas, ninguém quis me atender.
Comecei a chorar sem parar.
- Filho! Me perdoa. - Soluçou - Perdão.

O guarda apareceu em frente a cela, indicando que a visita tinha acabado.
Meu pai ficou em pé, e juntou as mãos.
Eu levantei e o encarei.

Sustentamos o olhar um do outro por alguns segundos.
Ele balançou a cabeça, e eu retribui o gesto.

Sem dizer mais nada, foi levado.
E eu fiquei ali, tentando me reconectar com minha alma.


(...)


Dirigi por horas sem rumo. Até que me vi parado em frente á casa da minha mãe.
Ao me encontrar parado em sua porta, totalmente abalado, me acolheu.
Contei para ela da vista que tinha feito, e mostrei a carta do Lucas.
Juntos, entendemos, agora, o sentido do bilhete que havia deixado para nós.

" Eu te amo muito mãe, mas sinto em dizer, você terá que compartilhar desse amor com meus irmãos, pelo resto da vida. Hoje eu soube da verdade, e preciso ir. Não chore muito, nem deixe que chorem por mim. Estou em paz, papai me fez entender. Obrigado por tudo, e perdão pelo resto. - Com amor, Lucas "

Tudo em que me apeguei se desmoronou, ao reler aquelas sentenças.
Mamãe aproveitou, para me fazer carinho.


- O que está sentindo ?
- Eu não sei explicar. É como enxergar depois de ficar muito tempo no escuro, sabe?
- Sei sim!
Beijou o topo da minha cabeça.
- Você o perdoou?
Me movi, ajeitando-me em sem colo.
- Não sei o que sinto em relação a isso, nesse momento.
Senti suas mãos acariciarem minha testa.
- Uma das coisas que te afastou de mim todos esses anos, foi eu tê-lo perdoado, não foi ?
Abracei a mim mesmo.
- Nunca entendi o motivo.
- Eu só precisava seguir em frente, filho.
Me sentei no colchão macio, e a encarei.
- O Lucas fez o mesmo.
Ela acariciou meu rosto, e sorriu.
- Logo você, estará pronto pra seguir. Só tem que digerir as coisas primeiro.

De fato, eu estava muito confuso e abalado. Por muitas vezes, tive vontade de voltar ao passado para corrigir os erros, mas nesse momento, vejo que se realmente tivesse esta oportunidade, talvez os erros seriam piores.

O arrependimento nem sempre é voltar ao passado, mas disposição em corrigir o presente.

Na vida é preciso aproveitar cada segundo que Deus nos dá. Pois, não se pode voltar no tempo, e não existe uma máquina que volte ao menos um segundo além do que já passou. Portanto, se faz necessário viver o presente com sabedoria, pensando num futuro, sem esquecer do que viveu no passado.

Mal consigo acreditar que levei anos para entender isso.

O irmão do meu tioOnde histórias criam vida. Descubra agora