Capítulo 4 - Lições do Passado

757 88 33
                                    

Nove anos atrás

O meu coração estava descompassado e o suor escorria pela minha testa. Controlei a minha respiração para que ele não detetasse a minha presença. Se eu fosse descoberta, estaria perdida.

Pé ante pé fui avançando pelo território inimigo, sempre escondendo-me atrás dos inúmeros arbustos que continham ali. Observei a minha presa atentamente. Ele estava distraído, absorto no seu mundo. Nunca daria pela minha presença. Excelente! É a hora certa de atacar.

Preparei o meu corpo e tomei o impulso. Avancei sem medo sobre o inimigo, rugindo como uma guerreira.

— Rende-se monstro da floresta! Estás cercado. — Saltei para cima do seu colo, dando-lhe um grande susto. Os seus olhos castanhos expressivos arregalaram-se assustados. Largou o punhal que ele manejava, tentando equilibrar-se na cadeira aonde estava sentado.

— Criança matreira! Queres matar-me do coração? Sabes que não deves fazer estas brincadeiras a um velho como eu. — Levantei-me do seu colo amuada. Não queria causar-lhe nenhum mal. —Poderias induzir-me a matar uma das minhas filhas! — Meu avô levantou-se zangado da cadeira e inspecionou minuciosamente a planta na qual ele estava trabalhando.

Senti-me envergonhada. Não devia ter feito aquilo. Eu sabia o quanto ele era apaixonado pelas plantas e as tratava como se fossem da família. Se algo de ruim acontecesse com algum deles, ele ficaria dias de cama abraçando o seu luto.

— Desculpe-me avô. Não queria machucar a Maria Eduarda. Só queria brincar com o senhor. — Fiz uma festinha na laranjeira ainda jovem, pedindo-a desculpas também.

—Não faz mal. Venha cá dar-me um abraço, afinal a Maria Eduarda está viva e é isso que importa. — Fui até ele e abracei aquele corpo rechonchudo. O melhor abraço de todos. Senti um conforto invadindo o meu corpo, como se um manto da proteção tivesse-me envolvido.

— E o que o senhor está fazendo? — Soltei-me dos seus braços e comecei a bisbilhotar as suas coisas. Reparei que ele tinha um balde ao lado cheio de dejetos de animais, alguns utensílios de jardinagem e o solo aonde a laranjeira vivia estava revolvido.

O meu avô passou as mãos na sua calvície e observou o seu trabalho com um brilho nos olhos.

— Estou preparando a Maria Eduarda para ser uma mulher. Daqui a pouco tempo, ela vai florescer pela primeira vez e eu quero que ela esteja forte para quando esse dia chegar.

Olhei ao meu redor e a maioria das plantas já tinham flores. Era um verdadeiro festival de cores, o cheiro era agradável e a paisagem fascinante. Incrível como cada uma ali tinha um nome e eu recitava-as de cor.

— Para que servem as flores avô? Para serem bonitas? — Perguntei pegando um jasmim da Carolina e cheirando o seu perfume adocicado. Há muito que tínhamos aquele oásis atrás da nossa casa, na verdade desde que eu lembrava-me. O meu avô construiu-o quando negociou aquele pequeno pedaço do mundo com os Francinatis para presentear a minha avó.

O meu avô colocou um ar pensativo, como se viajasse nos seus conhecimentos.

— Elas são responsáveis por novas vidas. — Começou dizendo enquanto cuidava da Maria Eduarda. — Dali forma o fruto que consumimos e dos frutos saem as sementes que são semeados e a natureza encarrega-se de transforma-las em novas plantas. A beleza delas é apenas uma ferramenta utilizada para atingir esse fim. — Fiquei um pouco parada no tempo, observando o jasmim que eu tinha nas mãos.

— Então...elas são as mães da natureza. Geram os bebés como os humanos geram os deles. — Tentei formar as palavras na minha cabeça, encaixando as informações que eu tinha recebido. Meu avô olhou para mim impressionado, como se não esperasse que tais palavras saíssem da boca de uma criança de oito anos. Os seus olhos marejaram e um grande sorriso formou-se no seu rosto. — O senhor está chorando? – Fui até ele e enxuguei as suas lágrimas. Não gostava de ver o meu avô chorar.

O Despertar Das Rosas Negras - Melhores histórias 2022 LPOnde histórias criam vida. Descubra agora