Capítulo 10 - Dois Feudos, Um Destino

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— Maly, acorda! — Senti alguém a chacoalhar-me e espreguicei lentamente na cama sem entender o que se estava passando.

— Pai? O que está acontecendo? — Resmunguei recobrando os meus sentidos. O cheiro queimado invadiu os meus pulmões e abri os olhos devagar deparando-me com um clarão de labaredas consumindo a mobília do quarto. Levantei-me da cama em um pulo assustada, ficando ligeiramente tonta.

— Vamos Filha! A casa está pegando fogo. Precisamos sair daqui! — O meu progenitor agarrou-me pelos braços, arrastando-me para perto da janela.

— Pai, a Sara! Onde está a Sara? — Olhei para todos os lados e o meu pai abaixou a cabeça, escondendo as lágrimas. Senti o meu mundo a desmoronar ao deparar-me com um amontoado de cabelos negros espalhados pelo chão ao fundo do quarto. — Sara! — Tentei desprender-me dos braços do meu progenitor e ir de encontro a minha irmã, mas ele segurou-me com mais força escondendo o seu rosto nas minhas costas.

— Maly! Já é tarde. — O coração do meu pai disparou em um ritmo acelerado, fazendo o meu corpo tremer.

O pedaço de madeira que dividia o quarto em dois, agora estava em cima da minha irmã, esmagando-a. Uma dor insuportável instalou-se no meu peito, corroendo o meu interior. Gritei com todas as minhas forças, tentando escapar mais uma vez dos braços do meu pai.

Ele abraçou-me com força e depois apertou as minhas mãos depositando o medalhão da minha mãe nelas.

— Toma. Guarda isso.

— A deusa da vida. — Acariciei-o e coloquei-o a volta do pescoço transtornada.

O pai abraçou-me mais uma vez e jogou-me em direção a janela. O meu corpo cortou o ar e as minhas lágrimas dançaram com a brisa da madrugada. Tudo aconteceu tão rápido! Um estrondo fez-se ouvir e o teto da casa caiu, apagando tudo o que algum dia existiu ali.

— Paiiiiiiii!!!!! — Gritei desesperada, levantando-me dos cobertores.

— Maly? Tudo bem? — Cecília ajoelhou-se ao meu lado e abraçou-me, tentando acalmar-me. Encolhi-me num canto do quarto chorando baixinho, tremendo, sem saber se estava acordada ou sonhando. — Foi só um pesadelo. Estamos seguras agora. — Ela afagou os meus cabelos e escondi o meu rosto nas minhas pernas.

— Eu sonhei com tudo de novo. Eu vi o meu pai mais uma vez. Parecia tão real, como se eu estivesse ali. — Retirei o medalhão do pescoço e contemplei-o nervosa. Se a deusa da vida existia mesmo de verdade, porque permitia que tantas atrocidades acontecessem?

Cecília segurou o medalhão nas suas mãos também e respirou fundo.

— Algum dia a dor vai diminuir, eu prometo. — Minha irmã pegou-me nas mãos e ajudou-me a levantar. — Anda, tente descansar um pouco. Amanhã é um novo dia e a primavera chegará em breve. Nossas vidas não serão um inverno eterno. — Ela aconchegou-me nos meus cobertores e sorri com as suas palavras. Coloquei a cabeça no seu colo tentando dormir mais uma vez.

                                                                                       ...

Fui acordada no outro dia com uma grande movimentação no corredor dos dormitórios. Saí do quarto às pressas tentando entender todos aqueles murmurinhos que vinham dali.

— O que está acontecendo? — Perguntei para um senhor que ia em direção a saída.

— Sobreviventes! — Ele respondeu saindo logo em seguida do meu campo de visão. Não entendi nada. Fui atrás dele correndo, passando pelo grande corredor até chegar ao grande jardim.

Alguns soldados carregavam macas com alguns feridos. Algumas pessoas estavam sentadas no chão com o olhar perdido, hematomas por todo o corpo e roupas rasgadas cheirando a fumo. Eram em média umas quarenta pessoas. Senti o meu interior revirar, pois sabia que eles tinham passado pelo mesmo que nós, o mesmo terror de perder quem amamos, o desespero por saber se estão vivos ou não.

A senhora Agnes andava de um lado para o outro organizando os recém chegados. O seu rosto estava sério e quase que não ria. Ditava ordens rigorosas aos servos e agia como se nada tivesse acontecido no dia anterior.

Uma menina de cabelos castanhos e feições quase infantis caiu a minha frente desfalecida. Peguei-a e coloquei-a deitada no meu colo, chamando por ajuda. A auxiliar do médico-barbeiro veio ao meu auxílio e pegou a menina, colocando-a em uma maca.

Ela jogou um pouco de água na sua fronte e ela começou a abrir os olhos aos poucos, revelando dois pontos de luz azuis. Ela sorriu e tentou levantar-se, mas a auxiliar impediu-a, colocando-a mais uma vez no lugar.

Saí apressada e voltei com um copo de água, ajoelhando-me ao seu lado mais uma vez. Estendi-o em sua direção e ela tomou-o com as mãos trémulas.

— Muito obrigada! — Ela agradeceu bebericando um pouco do líquido que encontrava-se no recipiente. A auxiliar já tinha-se afastado, cuidando de outros doentes. — Meu nome é Gina.

— Prazer Gina. O meu é Maly. Sente-se bem? — Ela abanou a cabeça em concordância e devolveu-me o recipiente.

— Foi uma longa viagem até aqui. Acabei ficando sem forças.

—Quanto tempo de viagem? — Perguntei curiosa colocando o copo de lado. Ela fez uma careta pensativa e depois olhou-me distraída.

—Acho que foram quatro dias! Somos de Dóminus e para chegar aqui na capital é preciso andar 3 dias, mas a caravana demorou mais tempo, pois muitos de nós estavam feridos. — O seu semblante ficou pesado e ela olhou para o outro lado transtornada. — Mas a maioria foi engolida pelas chamas.

Sentei-me em uma posição mais confortável e olhei-a de frente.

— O vosso feudo pegou fogo? — Ela baixou a cabeça e os seus olhos marejaram.

— Tudo se foi tão de repente. Eu perdi os meus amigos e a família que cuidava de mim. Não sei como escapei, mas algo dizia-me para correr e eu corri até não sobrar-me mais forças. — Ela respondeu levantando o rosto e olhando-me nos olhos. — Isso aconteceu a quatro dias atrás. — O meu corpo estremeceu e levantei-me desnorteada.

— Isso não está certo! Algo não está bem. — A mensagem talhada na parede veio a minha mente mais uma vez. "Cava a verdade, cava a verdade rosa negra". Qual é a verdade que eu deveria cavar? — O nosso feudo pegou fogo no mesmo dia. Como isso pode estar certo?

Os olhos de Gina dilataram-se e ela sentou-se numa posição mais confortável.

— Será que tudo isso tem alguma ligação? — Ela perguntou-me e dei de ombros olhando para o nada.

— Não sei! Só sei que algo não está certo e precisamos descobrir a verdade! — Olhei-a mais uma vez engolindo as minhas dúvidas.

O fogo necessita de uma fonte de calor para manter-se ativo e o inverno  tem tudo, menos uma fonte de calor natural para alimentar as labaredas de fogo. Ou foi um fatídico acidente que coincidentemente aconteceu em dois lugares ao mesmo tempo ou a Luanovia estava sob ataque e o rei precisava tomar as suas providências. 

O Despertar Das Rosas Negras - Melhores histórias 2022 LPOnde histórias criam vida. Descubra agora