Capítulo 18 - Deusa da Vida, será que ela existe?

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Segurei a minha cabeça impedindo-a de explodir. "Clarinha está no jardim de orquídeas. Clarinha oferece-me uma rosa negra. Rosa negra? As rosas negras não existem!"

Saí do alcance do Vítor e corri para a entrada da ala leste. O meu noivo fez menção de acompanhar-me, mas fiz-lhe um gesto de mão impedindo-o de prosseguir. Precisava de um tempo sozinha.

Rosa negra! Rainha Ava! A noite do incêndio! Besta negra! Banshee! Ela segurando-me no antebraço, sussurrando no meu ouvido que eu era a minha ruína. A rosa negra se desfazendo em cinzas na minha frente, a marca da Banshee na minha pele.

"Minha". As palavras ecoaram no meu cérebro fazendo-me enlouquecer. Não sou de ninguém!

Abri a porta do dormitório e entrei batendo-a logo em seguida. Deslizei sobre ela e lágrimas inundaram a minha pele. Eu não queria morrer! Eu não queria saber de rainha morta nenhuma. Já estava farta e eu queria sair daquela escuridão que prendia-me e dilacerava-me aos poucos até não sobrar nada.

Eu não queria sonhar!

Belisquei o meu braço e voltei a olhar para a rosa negra nas minhas mãos. Queria esmagá-la, transformá-la em pó e pôr fim a sua existência. Eu queria apagar as duas últimas semanas da minha mente e recuar no tempo, para uma época em que a Sara ainda não tinha nascido e que a minha família era feliz. Em que tudo era normal e o os meus sonhos eram aconchegantes.

Mais um turbilhão de lágrimas escorreu pelo meu rosto ao lembrar-me da minha irmã, consequentemente da minha mãe e do meu pai. Até do meu avô!

Não entendia o porquê de os ter perdidos ao longo dos anos. A minha vontade era criar uma caixinha de vidro e guardar as pessoas que ainda restavam-me nela. Fechá-la-ia com alguma substância inquebrável e nunca mais o abriria impedindo que o mundo machucasse-os.

Sentei-me perto da cama da Marta e arrastei a caixa quadrada para perto de mim. Maldita caixa! Maldita vida!

Abri a tampa e depositei a rosa no seu interior com esperança de que ela a pulverizasse. Infelizmente isso não aconteceu! O amor que eu sentia pela minha sobrinha impedia-me de esmagá-la e retirá-la da minha presença. Ela podia ser o símbolo do início de tudo, mas também era o símbolo do amor de Clarinha por mim e não iria dececioná-la.

Enxuguei as minhas lágrimas e respirei fundo. A minha família precisava de mim e eu precisava recompor-me.

Peguei no diário da Ava e folhei algumas páginas. Uma data chamou a minha atenção e parei de folhar concentrando nos desabafos rabiscados de uma rainha morta.

                4 de julho de 947

    Querido diário!

 Posso chamar-te assim? Não sei. Nunca escrevi um diário e nunca pensei em escrevê-lo. As       minhas memórias ficam sempre gravadas no tempo sendo impossíveis de apagar. Consigo ver um espelho de mim em cada criatura viva, a cada riacho e a cada pedra solta no deserto. Posso ver o meu reflexo nessas folhas mortas e sentir a sua energia pulsante. Vejo o que ela foi um dia, uma faia belíssima que viveu por centenas de anos e foi derrubada apenas para construir um brocado de papel de esqueletos mortos.

Consigo senti-las nas pontas dos meus dedos pedindo para serem acordadas, gritando no meu ouvido o quanto o mundo é cruel. "Calma minhas amigas. Não posso interferir no ciclo da vida e não posso tomar partido entre as minhas criações."

Os ventos fortes do Norte e as brisas suaves do verão sabem o quanto eu gostaria de mudar tudo e erradicar o mal de uma vez por todas, mas não cabe a mim essa decisão e devo respeitar as regras naturais da existência, certificando-me assim do equilíbrio da vida.

O Despertar Das Rosas Negras - Melhores histórias 2022 LPOnde histórias criam vida. Descubra agora